emoções de uma longa jornada, o BRM Minho 300

Alguns milhares de quilómetros por ano, pedaladas nos dias da semana e um gosto pelo ciclismo “vintage”, paixão que há cerca de dez anos descobri com a predisposição para o ciclismo de longas distâncias. Na verdade, os Brevet’s dos Randonneur Portugal tornaram-se para mim um autêntico ritual, um encontro de amigos que aguardo com expectativa e que aquece a cuirosidade e os músculos à medida que se aproxima um sábado “breveteiro”.

Para além de revisitar o Minho num brevet com uma distância de respeito, mesmo com a celebração das 58 primevaeras à porta, não via motivo para me poupar. Enquanto tiver pernas, motivação e técnica conseguirei fazê-los. O foco desta minha participação nesta longa jornada seria levar a bicicleta “moderna” que escolhi para suceder à Tripas iNBiCLA, com quadro de aço, mudanças no quadro, travões de pinça e cubo luminoso na roda, testando a máquina e o homem.

Desta feita o meu “ferro” escolhido para a ocasião era uma bicicleta a estrear nestas “pedalanças”. A bamBina de seu nome, recebida das mãos do CEO da iNBiCLA ainda com a tinta fresca, faria a sua estreia num brevet durinho, numa espécie de vira minhoto ao longo de 300 e tal quilómetros. Assim, e com pouco mais de duas voltas de fim de semana, mais alongadas para a testar, experimentar o quadro e os componentes que herdou da defunta Tripas, queria sobretudo desfrutar das sensações que o anorético Columbus KL seria capaz de me oferecer. Perfeita.

Os brevet´s são tudo menos uma corrida. São para mim um grande divertimento com alguma conquista pessoal. Já me apelidaram de “maluco” que se aventura nos longos percursos em bicicletas pesadas, com mudanças pesadas, difíceis de operar. Ou mesmo sem mudanças, impraticável para algumas subidas, mas se está assim tão difícil, pois então que se desmonta e faz-se parte das subidas a pé, caminhando e fotografando. A beleza do cicloturismo é precisamente essa, que com a variedade de percursos, entre aldeias e paisagens, a forma de interpretar a coisa é como quisermos, com a bicicleta que tivermos e no ritmo que melhor nos adaptarmos.

Adormeci. Com menos de uma hora para o depart e a mais de uma hora de carro até ao Posto da Cruz Vermelha em Marinhas, Esposende, sabia que não encontraria ninguém à minha espera a não ser a menina da recepção, que com um sorriso me entregou o cartãozinho do brevet. Cheguei, engoli um bolinho e um café, preparei-me e arranquei no escuro, com meia hora de atraso, pedalando sozinho atrás do prejuízo. Por isso mantive o foco na estrada e no céu, cada vez mais alaranjado. A manhã estava bem fresca, mas as temperaturas iriam subir, e muito.

Com o sol a despontar no horizonte, chegava a Barcelos para o primeiro controle do dia, só não sabia que não teria ninguém à minha espera. Uma falha de comunicação e o José Ferreira, um dos organizadores dos brevet´s Randonneur Portugal a norte e que fazia o controle de passagem, já não contava comigo. Após umas voltas em vão e uma foto para registar a passagem, prossegui a bom gás para encontrar os primeiros companheiros de route que já estavam de partida do segundo posto de controle, ao quilómetro 50 em Ponte de Lima.

A fome começa a fazer-se sentir, não tanto por estar a pedalar há duas horas mas porque devido ao meu atraso o pequeno almoço foi descurado. Mesmo assim, a paragem para o primeiro reabastecimento foi rápida, pois é importante não comer demais. Os quilómetros que me esperavam são muitos e é melhor saborea-los todos, provando tudo nas doses certas para não pesar muito. As estradas que percorremos neste Brevet eram, na sua maioria, sobejamente conhecidas e o primeiro dos suculentos pontos altos do dia estava a caminho, transpor as fraldas da Serra d’Arga.  

Na descida para Vila Praia de Âncora pressinto a brisa marítima e até Caminha cumpro mais uma etapa do dia. A partir daí o plano passa em procurar o pavimento plano das ecovias do Minho. O rio, a passarada e os peregrinos para Santiago seriam os meus parceiros. Chego a Valença e encontro três ciclistas de coletes amarelados que, como eu, já se queixavam do calor.

Da antiga linha ferroviária para Monção, das primeiras a serem encerradas e transforadas em pistas “velocipédicas”, tudo muito lindo, tudo muito tranquilo, a não ser as barreiras e o piso bastante degradado. As lombas que resultam do crescimento das raízes, provocaram-me um valente susto e deixaram a bamBina com queixas. Subitamente a corrente dá em falso, estranho, desmonto, e dou com o desviador traseiro sem uma das roldanas. “Que diacho!” Vá lá que as pecinhas, espalhadas no piso, estavam intactas e não rebolaram para o desconhecido. O parafuso deveria estar solto e aquele solavanco foi quase o rastilho para o desastre. Os três companheiros com que me havia cruzado param ao meu lado e auxiliam-me na reparação da pequena avaria. Grato ao João, ao Marcos e ao Juan, com quem prossegui para almoçarmos juntos.   

A estrada eleva-se gradualmente e torna-se quase deserta. Depois de Melgaço raramente passamos por veículos a motor. Quem por nós passa são os randonneurs mais céleres que já desciam o percurso no sentido inverso desde S. Gregório, a localidade mais a Norte de Portugal, onde o roaming espanhol continua a sobrepor-se ao luso, onde o Café Coelho continua sem carimbo, e onde o José Ferreira nos aguardava para fazer o registo da nossa chegada com a respectiva carimbadela.

Meia volta pela mesma estrada, mas a descer, até que quase nas duas centenas de quilómetros percorridos se inicia a subida do dia em direcção ao Sistelo. Com algumas rampas de forte inclinação para aguçar o apetite, os oito quilómetros que se seguiam são sob um calor sufocante, até ao conhecido posto de controle em Portela d’Alvite, mas sem o direito às sandes de presunto que eu esperava trincar. Em todos os casos, para enfrentar o desce, e sobe e desce, que teriamos pela frente convinha mesmo comer e beber alguma coisa.

A noite ainda vinha longe, no entanto achei conveniente ligar o farol moderno que a bamBina herdou da Tripas. Parece um elemento estranho para um quadro com pedigree Pinarello, mas tem um feixe de luz potente, que não gasta pilhas e ilumina perfeitamente a estrada, a tal ponto que quando seguia atrás do grupeto quase poderia dizer que eles não precisavam de ligar as suas luzes.

Ponte da Barca cruzada e lentamente cai a noite. Durante a ascensão para Vila Verde a pedalada torna-se algo monótona, mas como não se está sozinho dá para entabular conversas e não ouvir tanto o barulho da corrente, que range cada vez mais, quilómetro após quilómetro, a suplicar por uns pingos de óleo, à custa de tantos anos à seca. Após paragem mais demorada num ponto de controle que nos permitiu confortar barriga e reforço térmico, para, mais à frente, sensivelmente ao km 300 responder a um questionário controlador. Pernas esgotadas e baterias fracas, enquanto percorremos os últimos quilómetros em direcção a Marinhas, aqueles quando começamos a ansiar pela chegada cada vez mais próxima e, certamente por isso, com um aliado adicional de adrenalina para se concluir o Brevet, bem para lá das 23h.

Uma das conversas que tivemos durante um bom período foi em relação à escolha da bicicleta certa para determinado tipo de Brevet. A bicicleta certa significa uma bicicleta que antes de tudo funcione e que depois tenha as relações de transmissão adequadas à condição física e ao percurso que temos pela frente. Uma coisa é certa, em comparação às modernas bicicletas de carbono, os antigos modelos de aço são mais difíceis de pedalar em percursos com bastante acumulado, mas o facto é que a maior suavidade do quadro, as sensações e o desempenho, mudam o caráter da bicicleta, mudam de acordo com a velocidade do momento e mudam de acordo com o terreno. Uma bicicleta de aço tem uma alma calorosa, e quanto mais se usa mais se pode descobrir a verdadeira essência da tabela periódica dos elementos.

Trezentos e treze quilómetros depois paro e descontraio com emoção. Emoção com aquele sentimento de desafio concluído. Emoção partilhada com quem se faz parte do caminho e se coloca o último carimbo. A emoção que volta a ser exclusiva quando se diz cá por dentro “pronto, está feito”.

Sobre paulofski

Na bicicleta. Aquilo que hoje é a minha realidade e um benefício extraordinário, eu só aprendi aos 6 anos, para deixar aos 18 e voltar a ela para me aventurar aos 40. Aos poucos fui conquistando a afeição das amigas do ambiente e o resto, bem, o resto é paisagem e absorver todo o prazer que as minhas bicicletas me têm proporcionado.
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apenas pedalar ao nosso ritmo.