“Durante e após a pandemia as marcas de bicicletas e componentes aperceberam-se de que ter a sua produção inteiramente dependente do mercado asiático é limitado, algo que o panorama económico atual continua a confirmar. A Carbon Team é uma empresa portuguesa que oferece atualmente uma alternativa a esses mercados.
O Topcycling esteve à conversa com Emre Ozgunes, diretor geral da Carbon Team. A empresa de fabrico de quadros em carbono sediada em Vouzela, tem tido um crescimento notável, apesar de ainda não ser conhecida pela maioria dos portugueses, amantes das duas rodas.”
“Era uma vez um menino de 6 anos que percorreu a Islândia de bicicleta. Mais tarde, com 8 anos, toca no piano uma música que o pai escreveu para ele. E assim nasceu este vídeo.”
“O Parlamento Europeu aprovou, no passado dia 16 de Fevereiro, uma proposta de resolução para fazer da bicicleta um “modo de transporte de pleno direito” e, através deste texto, “convida a Comissão [Europeia] a desenvolver uma estratégia europeia específica para a utilização da bicicleta, com o objectivo de duplicar o número de quilómetros percorridos em bicicleta na Europa até 2030″.
Apesar de não ter um carácter vinculativo (é apenas uma recomendação), a execução da proposta está agora do lado da Comissão Europeia, o braço executivo do Parlamento (que tem funções meramente legislativas). O texto parlamentar tem como redactora principal Karima Delli, eurodeputada francesa pelo grupo Verdes/Aliança Livre Europeia e presidente da Comissão dos Transportes e do Turismo.”
Adivinho a sua aproximação, ao fundo, na escuridão repentina do firmamento. Acelero a cadência, entre o trânsito estagnado e o vento agitado. Pelas minhas contas terei pelo menos mais dez minutos a descoberto. Esparsas e geladas, pingam grossas as gotas que se desfazem na minha testa. Não estranho que nos cruzemos num ponto indefinido a meio do percurso, mas desta vez eu não estava precavido para os humores do clima. “Fogo… ainda agora estava sol, carago!”. Já muito perto do destino refugio-me num exíguo resguardo, lotado e embaciado. Fico a salvo da repentina enxurrada. Uma roliça senhora invade também o abrigo. Dando pequenos passos para trás, vai-me empurrando com o rabo. Com um olhar indiscreto fita o ciclista e questiona-me, com firmeza.
– “Sabe se demora muito para passar o 205”?
– Não sei minha senhora! Eu não estou à espera do autocarro… só estou à espera que a chuva passe.
Um Brevet Randonneur Mondial tem uma distância a pedalar e tem um mote. No caso do brevet inaugural do ano dos Randonneurs Portugal, o L’Antique 200 é um evento de 200 e tal quilómetros com um nome a condizer, o qual merece ser pedalado numa bicicleta a condizer. Uma bicicleta à antiga.
Os pneus de Sua Alteza ainda estão enlameados de fresco e já sai o relatório e contas de mais uma aventura por estradas de outros tempos.
Nas três edições que pedalei ao longo do Tejo, pelas planícies ribatejanas, levei sempre uma bicicleta diferente e todas elas duras como o aço. Em 2013, na edição da minha estreia, Sua Alteza foi a escolhida. Veículo básico e sem mudanças de humor, esta bicicleta é a pura reminiscência do que os ciclistas tinham para pedalar nos primórdios da velocipedia.
Desejando voltar a um dos meus lugares míticos, rever o Tejo, a luz do sol a afastar as nuvens e a colorir a planície, clarear panoramicas de cortar a respiração, aquecer o corpo e o coração, o melhor pretexto foi pedalar por estradas ensolaradas e rolantes da lezíria ribatejana. O dia estava um mimo, mas uma morrinha persistia em nos abençoar o depart.
O sol de inverno e a boa companhia foram o antídoto perfeito para combater o forte vento vindo de Norte e que constante nos batia na cara. Mantive-me no grupo da frente e fiz jus à curtição que é pedalar em pelotão. Aqui e ali, às custas da potência alheia, fui aproveitando o corta-vento da forte Nortada que também fez questão e veio participar neste brevet.
A aragem ia frisando as orelhas e para meu benefício imperava a boa colaboração e disposição no minipelotão. Depois de um momento pés na lama, lentamente fomos aquecendo os motores. Desta vez não tive a companhia dos meus amigos habituais. Por assim dizer tive de me enquadrar com outros randonneurs com estilos e máquinas radicalmente diferentes, aproveitando o andamento com participantes provenientes de outras nacionalidades. Ao que me disserem eramos uns sessenta randonneurs a pedalar no mesmo sentido.
Mais uma vez, teimosamente sem o recurso à geringonça indicadora do caminho, recorri às minhas memórias e à cabula preparada para o efeito. Na aproximação de Santarém segui o instinto mental de virar à direita e subitamente sinto-me só, a escalar e depois a caminhar pela habitual subida às portas da cidade escalabitana, porque não dei ouvidos ao aviso no briefing matinal. Foi por mera casualidade que fui “apanhado” pelo Miranda e juntos entramos no jardim das Portas do Sol para o pit stop e para mais uma vez desfrutar de uma das vistas mais bonitas sobre o Tejo.
Prossegui só, por minha conta e risco desde aí, ao meu ritmo, em boa cadência contra a Nortada que não facilitava em nada a minha progressão pelos campos desabrigados. Golegã havia ficado para trás e quando seguia numa daquelas rectas intermináveis vislumbrei os coletes amarelos de um grupeto. Na Azinhaga sentei-me ao lado de José Saramago que me segredou ao ouvido, que se tivesse viajado nesta bicicleta, da obra “Viajens de Portugal” teria escrito mais dois ou três calhamaços.
Voltei para a lezíria, para o vento contra, e a perceber que lentamente me aproximava do grupeto. Acho que tiveram pena de mim, ali sozinho contra o vento e esperaram por mim. Tenho a certeza que não foi por isso, mas isso agora também não interessa nada. Juntos chegamos à Quinta da Cardiga um dos postos de controlo tradicionais do L’Antique.
Até aqui foram bons quilómetros a sentir os dentes e o esqueleto a ranger do mau estado do alcatrão. Estradas tranquilas, em grande parte do percurso, excepto em alguns trechos de estradas nacionais, compensados ao atravessar pacatas vilas onde a bicicleta é parte do cenário, fundamental modo de vida. De novo a rodar o único pedaleiro, não tardou que tivéssemos de borrar os pneus na lama, no famoso 1,5 km de terra mais enlameada que batida do L’Antique. Pura emoção!
Recuperado o asfalto fofinho, depois de sair de Vila Nova da Barquinha passamos por Tancos. A minha expectativa de passar novamente ao largo do Casal do Pote, pequeno aquartelamento do Regimento de Engenharia onde fiz a recruta, era muita já que durante uma fase marcante da minha vida ali andei a marcar passo. Tudo como dantes no quartel… rendido ao abandono e à passagem dos anos.
Cheguei a Constância para o carimbo, para a sopa e degustar a boa da bifaninha, muito antes da hora que havia previsto e, como tal, deu pra relaxar, telefonar, actualizar o Instagram e tudo. Na retoma da estrada, não querendo que o Camões ficasse chateado, Sua Alteza deixou-se fotografar com o poeta na premissa que eu a levasse lá prá Ilha dos Amores.
Eu ia em plena sornice pela ondulante estrada nacional, curtindo o momento e deixando que o pelotão das bicicletas modernas com desviadores XPTO fugisse, desviei e fui ao miradouro (ou será miratejo!) mirar o belo Castelo de Almourol. Assim, o soldadinho de chumbo voltou a conquistar o castelo, mesmo que não se tenha atrevido a atravessar o Tejo.
À passagem pela Chamusca, onde à minha visão de uma máquina infernal, que diz que é um Locomóvel mas de “móvel” tem pouco, quanto ao “Loco” Sua Alteza apontou-me a manete, um pouquinho mais à frente saí da estrada nacional para voltar às estradinhas esburacadas pela lezíria ribatejana.
De novo as antigas estradas, caminhos rurais, de cabras ou lá o aquilo é, com longos quilómetros de alcatrão esburacado, pavimentadas de terra batida, lamacentas. Dira um velho amigo meu que uma prova clássica sem pavé não é clássica, não é? Mil vezes o paralelo do que isto. O vento lateral fazia-se sentir, especialmente à passagem pelos campos desabrigados, mas na maior parte do tempo a nortada estava pelas costas, o que, desta vez, até ia ajudando bastante a minha progressão.
Em Alpiarça tive o cuidado de não falhar o posto de controle que passou a estar colocado de novo num local sossegado, ao largo de uma pequena barragem, mas não sem antes me deter junto ao monumento em honra dos ciclistas e fazer novo registo fotográfico.
Já nos últimos minutos de luz natural e após a passagem pela estreita e tridimensional Ponte Rainha D. Amélia, depois de uma paragem para reforço alimentar e do vestuário, foi sob um lusco-fusco fascinante, com a boca bem fechada a levar com nuvens de mosquitos na fuça, que pedalei a bom ritmo os trinta e tal quilómetros finais.
Este L’ Antique, nas três participações anteriores também, mas particularmente este Brevet, soube-me mesmo bem e soube tão bem chegar ao final e ser recebido com este belo sorriso. Obrigado Carla.
Volvidos estes anos desde o meu primeiro brevet o que mudou? Bem, estou dez anos mais velho, seguramente. Estou bem mais magro, mas isso é evidente. E comum com aquela que me transportou, e ainda me transporta, Sua Alteza Velo Invicta, estamos ambos mais carunchosos, mais ferrugentos, mas mais experientes.
Refeito dos efeitos dos temporais, da doçaria natalicia e do fogo de artifício no wc, volto aos pedais e encaro o futuro na direcção certa com as duas rodas bem assentes no chão. Esta é altura ideal para estabelecer novas metas e considerar alguns desejos para alcançar nos próximos 12 meses.
Pretendo respirar ar puro e mover o meu corpo todos os dias. Seja para enfrentar a loucura rodoviária no meu comute diário ou numa saida precária para aliviar o stress, mexer as perninhas faz sempre bem.
Espero ter vontade suficiente para me levantar todos os dias da cama e me desafiar, mesmo que seja só para ir numa lúdica aventura estradeira ou betêteira. Que enfrente a estrada com ânimo e alcance o cume de pelo menos uma montanha.
Anseio que o trambolhão da praxe seja suavezinho, venha como mais uma lição e que tenha paciência e perspicácia para aprender essa mesma lição, pela enésima vez… Pelo menos faço figas para que não mande mais nenhuma bicicleta para o galheiro!
Aspiro manter as amizades fortes e fazer muitas outras. Novos companheiros de estrada com quem possa compartilhar sonhos e objectivos. Correr o risco de enfrentar as distâncias e os incautos automobilistas. A escuridão e reflectir a minha presença na via, até ao nascer do sol. Ah… e que as assaduras não esgotem o stock de Halibut.
Confio que as correntes e os cabos do desviador se aguentem à bronca. Caso cedam, então que aconteça a pouca distância de casa ou pertinho de uma loja de bicicletas. O mesmo espero que aconteça com os infalíveis furos, ou pelo menos que não me chateiem quando me esquecer da câmara sobressalente… ou da bomba-de-ar!
Parar de comprar coisas de ciclismo que já tenho ou que então não precise, mesmo que as promoções me consumam. Posso sempre tentar algo que parece ser impossível, encontrar as meias certas ou os óculos escuros quando estiver pronto para sair para mais uma pedalada, mas não prometo.
Finalmente, que tenha tempo e capacidade iguais para me deliciar com uma viagem requintadamente longa para depois ter um dia de descanso requintadamente preguiçoso. Claro que o desejo de liberdade é mais forte que a paixão, certamente encontrarei o valor em ambos. Pelo menos ter assegurada aquela boleia de resgate quando não houver outra salvação.
O inverno está aí à porta, mas já nos atormenta há mais de um mês. Sentidos em alerta máximo, olho para cima e um céu carregado e triste me cumprimenta. Cheiro a presença da chuva e o instinto me diz que em algum momento irá desabar na minha cabeça. Sem hesitar, arrisco o regresso a casa pela rota mais longa, ao longo do rio. Começo mais lento do que o normal, uma atmosfera gelatinosa e amorfa estorva o progresso das minhas rodas. Através de rabanadas de vento marítimo, inspiro e os pulmões enchem-se de ar húmido. Em pouco tempo o vento rodopiante me abraça e cospe leves borrifos na minha cara. Voltado para o azul, vejo laivos alaranjados, impressionistas espalhadas por uma borda do céu. Um breve vislumbre do sol, que me provoca entre manchas cinza e brancas, flutuando no horizonte. Nuvens irritadas que se podem zangar e eu sem nenhum lugar para me esconder! Mas a vitória é minha.
Aproveito todos os momentos e aproveito também este para deixar aos meus visitantes uma mensagem de Feliz Natal e um 2023 com bastante pedalada.
Respiro, travo, estremeço… Olho para baixo. Guio o pneu da frente com cuidado, não vá pisar um galho ou um buraco no asfalto. Tenho de fazer mais uma curva. Desço o monte na velocidade possível, condicionado, com um calafrio nas orelhas. Como um falcão que voa na altura certa, flutuo admirando a beleza e o brilho do sol da manhã. O cheiro, o ar fresco e as longas sombras. Às vezes tudo parece se encaixar no lugar. Um galo que canta e que tudo acorda. Os cães que ladram em uníssono, à minha passagem, ecoando no vale.
Porque eu queria encontrar um local tranquilo procuro as estradas desertas. Mas nem sempre estou só. Percebi o carro que seguia atrás de mim. Instintivamente, defendo a minha posição na estrada. Um pouco mais à frente, num local mais espaçoso, dou sinal e o carro passa, acelerando na sua vibração. Também sou trânsito, de bicicleta, tentando ficar seguro. Isso às vezes não é fácil. Mantenho a pedalada e os pensamentos.
Há mais uma curva, apertada, seguida de outra colina, e esta é íngreme. Já a conheço bem. Engreno a mudança certa para a escalada. Parecia que tinha muita energia, mas não sei porquê estava a perder forças! Então percebi que era fome. Em vez de estar a pensar no almoço, precisava de subir. Continuei. No cimo senti como se alguém tivesse virado a ventoinha na minha direcção. Estou cansado, mas não posso pensar nisso. O suor que transpiro é a minha conquista. A banana que trago no bolso será o meu prémio.
Cruzo pequenas aldeias ao longo do caminho. Muitas vezes penso sobre as pessoas que vivem em áreas remotas. O que elas sacrificam para viver ali. O mais certo é que não sacrificam nada. Vivem felizes. O ambiente pode moldar as nossas visões e opiniões. É muito diferente do que estou acostumado e isso faz-me lembrar o quão agitada é a vida na cidade. Imagino-me a morar ali. No meio da serra, naquela tranquilidade, entre as tonalidades outonais de uma floresta de carvalhos. Só que não, é um eucaliptal, imenso a perder de vista…. O tempo parecia passar de forma rápida. Olho o relógio e lentamente retomo o rumo, de volta para a confusão.
Aquelas nuvens negras, em aproximação, não me parecia nada promissor. Comecei a sentir chuva fina. Ao longe podia ver uma clareira, e eu disse a mim mesmo que talvez tivesse sorte. Foi sol de pouca dura. Vinte minutos depois estava sob chuva constante, e estava contente. Na descida, com o corpo a arrefecer, comecei a pensar se não seria boa ideia me refugiar no café. Não valia o incomodo de parar para vestir a capa de chuva. As minhas roupas já estavam encharcadas e estavam! Acelerei ainda mais para me aquecer. Uma vintena de quilómetros e estava sob chuva forte, o suficiente para parar. E parei, à porta de casa, feliz com a minha pedalada. Ensopado e animado.
Depois da bicicleta pendurada, depois do banho retemperador, não demorou muito para relaxar e entrar no balanço das coisas. Ao ver as fotografias captadas, o filme passa veloz pela minha cabeça, o que faz com que a mente vagueie. Sinto as pernas. Procuro saborear o momento, porque pode se passar algum tempo até sentir isso de novo. Sou optimista e positivo, porque gosto do que faço e qualquer viagem a pedais é tudo o que preciso para a regular o corpo e a mente. Também preciso de um café.
Por que tenho mais tempo no fim de semana para desfrutar do ar livre, viajar, experimentando uma vida simples, um modo diferente, a pedalada vai mais longe. Então, qual vai ser a tua próxima aventura? Já não lhe chamo aventura. Em última análise é para mim um estilo de vida que amplifica a felicidade, a minha e daqueles que me rodeiam. Há algo em nós que anseia por paz e tranquilidade, e o nosso estilo de vida determina como vamos experimentá-lo. Ás vezes uma simples volta de bicicleta pode ser anti climática. É terapêutica. É o antidoto para todos os problemas. Você planeia, organiza e antecipa o dia. Então quando o sábado chega, penso… Ok, vamos lá a isso! A mais uma sessão de terapia.
Diariamente, assim que é chegada a hora de encerrar o expediente, arrumo o kit do dia-a-dia na mala do selim, solto a bicicleta do aloquete, ligo o contador e entro em modo pós-laboral. Como é costume depois do trabalho, junto a útil pedalada de regresso ao lar ao agradável e alargado passeio pela cidade. É claro que se o clima não estiver assim tão agravável vou direitinho para casa, mas basta a chuva dar tréguas e o caminho a escolher será sempre por minha conta, o que significa não ter horas para chegar.
Pedalando pelas ruas da cidade reformulo a mobilidade simplificada do percurso trabalho-casa alargando horizontes. Desço ao Douro e, enquanto vou, vou pondo os pensamentos em ordem. Após alguns quilómetros embrenhado no meio do trânsito, a perspectiva de um período de “tempo solitário” agrada-me. Na base do “mais vale só…” vou sempre acompanhado. É importante, no entanto, distinguir aqui a palavra “solitário”. Em contraste com a pessoa sentada ao volante, só, dentro de um carro, engarrafada no pára-arranca urbano, aqui o ciclista solitário vai bem acompanhado, pelo rio, pelo mar, pelo vento, pelo ar puro de qualquer um dos parques da cidade. Fujo dos gases de escape e do rugido mecânico para naturais refúgios de paz e sossego.
Usufruindo da liberdade que a bicicleta me confere, o final de tarde convida-me a vadiar e a saborear o tempo. Apreciar a luz, degustar o aroma das castanhas assadas, apreciar o movimento das folhas que se soltam e voam até ao chão. Pelo simples prazer que sinto ao pedalar por estes jardins de Outono, qualquer desassossego ou incerteza desaparece com o vento. No regresso a casa, como gosto de “circunvalar” a cidade, tenho duas opções antes de enfrentar a Estrada da Circunvalação: ora sigo o rio que corre para a Foz e inspiro o ar marítimo; ora viro as costas à Nortada e sigo o rio para oriente, com o vento pelas costas.
Junto ao Castelo do Queijo despeço-me da praia e do mar e viro à direita. Sujeito os pneus à terra batida e ondulante do Parque da Cidade, o maior parque urbano do país, palmilhado por inúmeros caminhos, arvoredo, extensos relvados com lagos e a passarada residente. Um banco de jardim no encontro de uma obra de arte com o pôr do sol, embeleza o momento e torna-me o passeio ainda mais demorado. Dou as voltas que tiver de dar, escolho o caminho que me apetecer. Ali, o tempo parece dar um tempo. Dali até chegar a casa é um instantinho.
Na rotunda do Freixo encontro o início de um outro paraíso urbano. Entro no Parque Oriental, rodando em modo câmara lenta pelo tapete de asfalto que bordeja as margens do rio. Sigo o Tinto contra os ponteiros do relógio. Vou subindo sem me dar conta que estou a subir. Vou inspirando os aromas da ruralidade, vou sentindo subtis odores à passagem pelas duas “Étares” que tentam despoluir tão desprezado curso de água. Cruzo pequenos núcleos urbanos. Os “passadiços” vão desembocar bem no centro da cidade de Rio Tinto, onde poderá ser o início da diversão dependendo se estou a pedalar no sentido inverso. Junto à estação de metro da Levada pressinto o fim da tranquilidade. Afinal não me afastei assim tanto da cidade! São cerca de 5 km de um passeio bem agradável, mas dali em frente volto à civilização e estou de volta à confusão da Circunvalação.
Desde julho que tenho uma nova escolha para o meu commute trabalho-casa, mais a Norte, mais longínquo, mais demorado para lá chegar mas excelente para arejar o corpo e a mente. Depois de cerca de 10 quilómetros pedalados desde o centro do Porto pela Foz do Douro até Matosinhos, transponho a ponte móvel do Porto de Leixões para Leça. Sigo pela estrada do aeroporto para então descer à N13. É ao fundo, na Ponte de Moreira que encontro o início de uma nova aventura. Ao fim de 20 km de pedalada entro num pequeno paraíso que faz render bem o passeio. Entro no Corredor Verde do Rio Leça.
Inaugurada recentemente a primeira fase, numa extensão de 6 a 7 km entre as pontes de Moreira e da Pedra, os municípios de Matosinhos e da Maia rasgaram este “corredor” desvendando as margens escondidas do rio Leça. Entre as zonas residenciais, situadas nas extremidades deste percurso à disponibilização da população, desenvolveu-se um percurso pedonal e de ciclovia, acessível aos meios de transporte suave, que pretende ser uma opção quotidiana para a mobilidade, desporto, para a fruição do território e o contacto com a natureza, sempre ao longo de parte do rio que já foi o mais poluído da Europa. O Corredor Verde passa junto ao Mosteiro de Leça do Balio, segue o curso do rio por entre paisagens rurais e industriais, cruzando as margens em passadiços metálicos para terminar abruptamente junto à Ponte da Pedra no concelho da Maia. O acesso à N14 é feito por dois patamares de escadas, tendo o ciclista à disposição calhas metálicas que lhe facilitam bastante o acesso, da ou para a estrada. Não tão facilitada é depois a ascensão e o trânsito, tanto na direcção do Porto como no sentido da Maia, mas com calma e vontade tudo se faz, não é mesmo?
O projecto prevê a conclusão das restantes fases, num total de 11 kms. Na segunda fase prevê-se a ligação pedonal e ciclável da zona situada a nascente, no concelho de Matosinhos, numa extensão de 6 kms entre as pontes de Moreira e a ponte histórica do Carro. A terceira fase terá uma extensão de 4,7 km e irá completar a ligação entre a Ponte do Carro e o Porto de Leixões (foz do Rio Leça), com ligações ao centro de Matosinhos e de Leça da Palmeira, A conclusão desta infraestrutura vai permitir que a deslocação em modos suaves (a pé ou de bicicleta) seja efectuada de forma cómoda e segura, em terreno com pouca inclinação, um piso adequado a estes modos de transporte, através de uma via segregada e envolta numa paisagem idílica de pura natureza, inserida na Área Metropolitana do Porto e numa zona de grande densidade populacional. Do ponto de vista ambiental o impacto do projeto é fortíssimo, em consequência das medidas de limpeza e despoluição com a intervenção nas margens do Rio Leça, como forma de conter o processo erosivo que se tem vindo a acentuar nos últimos anos e que permitirá manter em perfeitas condições de uso a infraestrutura ciclável e pedonal do Corredor Verde do Leça.