Chegou o dia de revisitar o Gerês em mais uma voltinha “randoneira”, o último brevet da época dos Randonneur Portugal. Com a mesma emoção e entusiasmo de sempre, lá fomos pedalar pelos encantos do Gerês e voltar. Coisa pouca, pouco mais de 200 quilómetros na companhia da Lenita, do Luís, do Mário, do Frinxas, do… Várias horas no selim, bom divertimento e cheias de peripécias para contar.
Desta vez, não tive companhia na curta viagem de carro para Esposende. Adormeci Desleixei-me um pouquinho nos preparativos e cheguei à Delegação Marinhas da Cruz Vermelha mesmo à hora do depart. Preparada a dona Tripas, feito o bikecheck e tratados os papéis, colete no corpo e capacete na tola, dou conta então que só tinha uma das luvas. Da sua congénere nem uma pista. Não estava na mochila, não estava na mala do carro nem na malinha Sport Billy! Com isso nem prestei atenção ao breefing da praxe. Enfiei a luva solteira no bolso do casaco, alapei o rabo no selim e dei lesto ao pedal para não perder o segundo grupo de randonneiros que já se fazia à estrada, em direcção a sul. A paisagem permanecia escura, a estrada molhada, mas não se perspectivava chuva.
Isto de manhã não é fácil. Nos primeiros quilómetros estabelecemos um rimo adequado e foi com os olhos no trio da frente que, após a nossa passagem por Fão, distraídos no paleio, falhamos a viragem à esquerda e a saída da EN13! As geringonças que supostamente nos deveriam orientar na estrada estavam também sonolentas! Refeitos do pequeno engano, formamos um pequeno grupeto e seguimos com cuidados redobrados. À conta do intenso nevoeiro que se verificava e do asfalto escorregadio, nem arrisquei pegar na tele-objectiva. A primeira fotografia foi apenas registada no primeiro pit-stop, em Amares, bem como a primeira carimbadela no cartãozinho amarelo.
Com cinquenta quilómetros pedalados em pouco mais de duas horas, o ritmo estava bom. E se não permaneceu assim, foi porque a partir dali a estrada iria empinar e o panorama iria melhorar. Ao contrário do brevet do ano passado, pedalado em Março, a temperatura agradável e o bem esboçado colorido outonal só tornaram a viagem ainda mais fascinante. Com a subida de nível, a neblina ficou para trás e um sol quentinho surgiu para nos aquecer o canastro.
O bucólico ambiente, a vida rural, os cheiros, os sons, nada me tirava do pensamento aquela malga de sopa a ferver que sabia me esperar no Nosso Café. Foi numa cadência determinada que cavalguei pelo paralelo da aldeia de Rossas. Tirei o sapato do cleat, encostei a Tripas à parede, registei a passagem e só descansei quando me sentei ao balcão para emborcar uma mini e uma generosa sandes de presunto, enquanto a sopinha ia arrefecendo. Não hajam dúvidas que de todos os brevets em que participei este é o meu PC (posto de comer) favorito… Ah, e antes que me esqueça: lembram-se de no início desta história ter contado que me faltava uma luva!? Pois bem, assim que tiro o capacete da tola a dita luva desaparecida reapareceu!… na minha cabeça!
Depois da barrigada de riso e do repasto, continuamos a nossa sedutora jornada. A certa altura a chuva também quis aparecer mas, se assim se pode dizer, foram uns pingos de pouca dura. E agora vou-me repetir. Nada mais tranquilo e estimulante que vadiar por um reduto de silêncio e paz.
Depois da passagem por Vieira do Minho viramos ao encontro da bacia hidrográfica do Cávado. A cada curva da saborosa descida íamos descortinando uma vista deslumbrante sobre o rio, a tranquila albufeira da barragem da Caniçada e as serras da Peneda e do Gerês. Claro que a paragem para tirar retratos da ponte foi inevitável. Metade do percurso estava concluído, mas sabíamos bem o que teríamos pela frente, uma horinha de escalada bem durinha. Bendita gasolina sopa.
Passagem pelo Santuário de S. Bento da Porta Aberta, mas pelo que pude ver a porta estava fechada! O vislumbre das vertentes da serra cobertas pelo negro dos incêndios deixou-nos tristes. Raio de gente que se diverte a atear fogos. É que não encontro outra forma de explicar que haja fogo naquelas vertentes senão alguém que premeditadamente o tenha feito. A certa altura as forças já me falhavam. Esta Tripas é bem mais exigente que a gOrka, a minha bicla levezinha que me trouxe no ano passado.
Decidimos parar no mesmo miradouro estratégico, recuperar o fôlego, trincar uma maçã e pousar para a fotografia.
Depois de ter sido surpreendido na estrada por um rebanho de cabrinhas, reencontrei o grupo no Parque de Cerdeira, terceiro posto de controlo, também o local marcado para reforçar o almoço. Estes intervalos são sempre um bom pretexto para conviver, reencontrar quem já está de saída e quem ainda está a chegar. Continuamos para o controlo seguinte, uma etapa bem longa.
A grandeza da Barragem de Vilarinho das Furnas, a envolvência paisagística do Parque Nacional da Peneda-Gerês deixa-nos sempre deslumbrados. Aproveitamos o momento e uma turista para enriquecer o nosso álbum fotográfico. Retomar a pedalada logo após o almoço, ainda por cima com a dura ascensão da encosta da Serra Amarela, é complicado. Lentamente, fomos esticando e rodando as pernas, conversando e nos deixando encantar com a panorâmica. Desta vez o tempo estava de feição, tornando visível o cenário montanhoso que dali se pode ter.
Chegamos ao topo, à aldeia de Brufe. A muito pitoresca aldeia de Brufe é um local de visita obrigatória, pela sua história, património rural, pelas casas de granito, os espigueiros, as eiras e moinhos de água. Gostaria de lá ter ficado mais tempo, mas o pessoal estava com vontade de descer e só tive tempo para uma fotografia artística.
Iniciamos com cuidado a descida por uma estrada em muito mau estado, o que viria a ter as suas consequências na bicicleta da Lenita. Reparado o furo lá continuamos até ao cruzamento onde no ano passado errei o percurso. Desta vez não segui o instinto mas a roda dos companheiros. A pedalada seguiu tranquila, apenas aqui e ali assombrada pelas buzinadelas de alguns automobilistas nervosos e no mínimo ignorantes. Só para os lembrar: desde Janeiro de 2014 que o Código de Estrada, art.90, prevê que os “ciclistas podem circular a par na via, tal não cause perigo ou embaraço ao trânsito”… OK!
Chegamos a Anais com o depósito a entrar na reserva e, seguindo a dica de um randonneur experiente e conhecedor das melhores pastelarias da zona, desviamo-nos um bocadinho do percurso para tratar de adocicar o sangue. E é aqui que sem querer começou o meu épico descuido do dia, e do qual só iria dar conta no terceiro posto de controlo, na Vila de Punhe, passados vinte quilómetros e já de luzes ligadas. “Mas, cum carago! Perdi o diacho do cartão brevet!”. O bolso lateral e a tampa da malinha Carradice estavam abertos e nada do cartão para o voltar a carimbar! Quer dizer, fiz todo aquele percurso de mala aberta, o raio da cartolina evaporou-se! Resignado, voltei ao selim para cumprir a derradeira etapa, de volta a Marinhas, ao ponto de partida. Dei conta da minha chegada e da minha grave falha. Sem apresentar o cartão não poderei ter o brevet homologado. Paciência.
Era chegada a hora de voltar a casa. Abro a mala do carro, tiro a roda da frente da bicla, prendo a bicla no suporte do tejadilho do carro, guardo a roda da frente na mala do carro e arranco. Assim que me preparo para entrar na N13 alguém buzina e me chama! Era o Pedro, avisando-me que eu tinha a mala do carro aberta! Aberta não, escancarada!
Definitivamente, eu não fecho bem a mala!
No regresso a casa, vim o caminho todo a matutar, onde raio teria deixado o cartão! Sim, recordo tê-lo visto aquando da paragem em Anais mas depois não o vi mais!… Paciência. O que realmente me interessa é que foi mais um dia proveitoso, por caminhos fascinantes e em excelente companhia. Assim como assim, um dia ainda entrarei para os anais da história dos Randonneur Mondial, não pela conquista de um qualquer super randonnée mas por andar por aí a espalhar cartões BRM!
Um especial agradecimento pela maravilhosa companhia e espirito de gupo: Lenita, Luis e Mário. E se por um acaso tremendo alguém encontrar um pedaço de papel amarelo parecido com este mas sem os últimos dois carimbos, está convidado a me acompanhar numa francesinha especial.
É o que se pode dizer: -Um contratempo nunca vem só! A da luva é hilariante… eheheh
De facto o Gerês é um pedaço de território singular, a pé, de bicicleta ou mesmo a cavalo é maravilhoso percorrer aqueles caminhos… quanto à alimentação também tenho de concordar contigo… sempre em bom.
Agora a parte trágico-cómica, peder o passaporte… essa é que não!!! Mas com tão generosa recompensa sinto-me tentado em lançar-me na busca… eheheheh
Mais um texto e fotos 5*, parabéns.
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Obrigado Nelson, pois parece que passei ao lado de uma bela carreira no circo, a fazer aparecer e desaparecer coisas, mas nem por artes mágicas voltei a ver o passaporte. Ficou uma boa história para contar e uma bela viagem para recordar.
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