Quinta-feira após o almoço ela apareceu sorrateira e o desconforto foi gradualmente aumentando durante as minhas rotinas laborais.
“Ai, tu queres ver…!?”
Sentado sentia-me bem, mas quando pretendia me levantar parecia um velho à procura da bengala. Era a P.D.I. no seu pior momento.
Vá lá que ao dar força aos pedais não a sentia tanto, mas quando chegava o momento de montar e desmontar da bicicleta, e no curto espaço de caminhada até à porta de casa, a popular “dor nas costas” fazia-se sentir.
“Eh pá, esta merda tem de melhorar até sábado! Ai tem, tem…”
À noite a postura mais confortável que encontrava era ficar deitado de rabo para o ar. A minha enfermeira, ainda a contas com os danos colaterais de uma gripe das boas, fez-me uma massagem e estendeu uns quantos paninhos quentes.
– “Olha lá, tu vais te meter a pedalar mais de 200kms nestas condições?!… Tens a certeza?”
Este tipo de contratura, que se inicia com um ligeiro desconforto no lombo, pode piorar gradualmente, causando dor intensa e atrapalhar as atividades do dia-a-dia. A minha expectativa era tratar-me o melhor que pudesse e ver como iria estar na madrugada de sábado.
Na manhã da véspera do brevet, alguns sinais ténues de melhoria. Depois de uns jactos de água bem quente na zona queixosa, os nervos afectados estavam menos doloridos e tinha uma maior amplitude de movimentos.
Como habitualmente, fui a pedalar para o trabalho, tentando fazer uma avaliação em movimento.
O alívio da dor e os 7,74€ que deixei na farmácia por uma caixa de Voltaren 25, deram-me alguma esperança de marcar presença às 7h da manhã de sábado em Esposende, para o depart do BRM Alto Minho 200.
“Bora lá pedalar qu’isto não mata… Mas mói.”

Pedalar longas distâncias é o desejo de muitos ciclistas e não iria ser uma arreliadora moedeira que me iria retirar da “competição”.
Mais uma vez a pedalada pelo Alto Minho apresentava-se como uma extraordinária forma de desfrutar dos diversos enquadramentos paisagísticos, os quais são indiscutivelmente definidos pelos cursos dos rios, das pontes que os atravessam, das aldeias nos vales ou nas montanhas, da biodiversidade e das cénicas estradas.

Do mar até às montanhas e das montanhas até ao mar. A manhã estava fantástica, o sol marcou presença e o vento de sudoeste também. Os vinte e sete cicloturistas seguiam a bom ritmo até ao primeiro posto de controlo em Ponte de Lima. O rio Lima manteve-se à vista até ser transposto em Ponte da Barca, orientando as bicicletas para norte rumo a Arcos de Valdevez.

Na companhia do rio Vez, percorreríamos agora o seu vale de uma notável beleza paisagística, qualidade ambiental e uma ampla rede de trilhos pedestres sinalizados. Com a passagem para a outra margem pela ponte medieval de Vilela, a estrada subiria gradualmente ao longo de umas dezenas de quilómetros deslumbrantes, com passagem pelo ponto alto do dia, o Sistelo.

Socalcos verdejantes, paisagem genuína moldada por mão humana ao longo dos tempos e preservada por uma comunidade rural perfeitamente adaptada ao declive da montanha, onde ao longo deste troço da mítica estrada N304, depois de uma curva nos podemos cruzar com animais autóctones de grande porte a pastar livremente.

Tibete português? Que me desculpem os “marqueteiros” turísticos, mas o Sistelo não é o “nosso pequeno Tibete”. Se em termos de marketing turístico resulta na perfeição, a bem da verdade o Sistelo é único. Quanto muito, comparável aos asiáticos terraços de arroz Sapa, digo eu!

O cicloturismo no Alto Minho já tem história longa. Desde logo pela importância no contexto do ciclismo aliado ao turismo sustentável, enquanto factor de dinamização económica das comunidades, dos territórios rurais, com pouco impacto sobre o ambiente natural e no modo de vida diário das populações, potenciando os pequenos negócios, protegendo da vulnerabilidade da biodiversidade, diminuindo os impactos negativos que o turismo também pode ter. O Caminho Português para Santiago, sendo percorrido de bicicleta, é um desses exemplos.

Duas bicicletas recumbentes destacavam-se do pelotão, aguçando a minha curiosidade e o julgamento que um sofá com pedais até seria uma boa ideia para pedalar sem forçar demasiado o lombo. Digo até que se o ciclista tiver perícia dá para tomar o seu cafezinho e ir lendo o jornal! Na preparação de alguns intervenientes tendo em vista o Paris-Brest-Pais deste ano, a posição de condução parecia-me confortável e bem veloz, tanto no plano como em perfil de descida. A aerodinâmica é talvez o melhor argumento deste tipo de bicicleta. Já nas subidas e a exposição aos ventos laterais é provavelmente o seu maior handicap.


Tenho de voltar a falar do vento. Em termos climáticos este brevet foi muito semelhante ao BRM pelo Alto Minho 200 @2013, no qual participei pela primeira vez há dez anos a bordo da velha Cósmica. Com um vento de sudoeste, a arrastar nuvens carregadas do Atlântico para o interior, se de manhã a pedalada teve a sua ajuda, assim que estava a subir para a Portela do Alvite as rajadas de vento de frente eram o sinal que se acabaram as benesses. Na mesma estrada em péssimo estado, até Monção desci com cuidado para não ser levado pelo ar.

No retorno à estrada após o almoço, um curioso acontecimento foi ver patrulhas da GNR a parar o trânsito automóvel. Na falta de informação fui pedalando devagarinho e, mais à frente, foi me dado livre trânsito: “pode ir com cuidado pela berma”. Ao fundo uns pirilampos amarelos desvendaram dois camiões de enormes dimensões que transportavam, cada um a passo de caracol, uma daquelas pás gigantescas das eólicas.

Em Valença foi só de passagem, ficou para trás, e na subidita virado a sul dei as más vindas à primeira chuvada a sério. Embora estivesse algo protegido pelo arvoredo um vendaval soprava agora com toda a fúria. Depois da paragem no posto de controle em Rubiães, já com o corpo enfiado no impermeável e a garganta a querer me avisar de qualquer coisa, tive a partir desse ponto a boa companhia do Miranda e do nosso amigo polaco, o Pawel.

Voltei a reviver uma das mais belas estradas deste país, a N301, que acompanha o curso do rio Coura até à sua foz, em Caminha. Com o penúltimo carimbo obrigatório no cartãozinho e com a barriguinha reconfortada, até à chegada a Marinhas, Esposende, para a conclusão do brevet foi uma briga destemida contra o forte vento nas trombas. Foi na parceria de fragrâncias marítimas, chuviscos manhosos, de cabeças baixas, mãos firmes nos dropes, esforçando os pedais, que os três heróis foram se revezando para estampar o último carimbo no cartão e concluir mais um brevet, onde cada qual chegou ao termo a seu ritmo, a seu tempo. Tal e qual o BRM Alto Minho 200 @2018. Cum carago, que rico doce!

Depois em casa…
“Então, como estão as tuas costas?” Quais costas! Tenho é de curar esta maldita gripe!