Randonneurs, Audax, o objectivo é divulgar e estimular o ciclismo de longa distância e criar condições para que os ciclistas vençam os seus próprios desafios. A coisa começou assim.
Em 1891, as pessoas não sabiam bem onde poderiam chegar numa bicicleta. Alguns crentes, audaciosos, davam já as primeiras pedaladas em corridas de velódromo ou no cicloturismo a cobrir longas distâncias de estrada. Naquela época, aquilo a que chamavam estradas não passava de trilhos aterradores, empoeirados no calor e lamacentos depois da chuva. Algumas ruas das cidades eram de paralelepípedo, bastante agreste tanto para o esqueleto humano como para a resistência das máquinas. A história do Audax confunde-se com a história do Paris-Brest-Paris Randonneurs. Depois da Bordeaux-Paris, uma corrida de estrada de 572 kms, no Verão de 1891 ocorreu a inaugural Paris-Brest-Paris (PBP), corrida tornada mítica pois desde sempre cativou a atenção dos entusiastas das biclas. Antecessora do Tour de France, o PBP é o desafio de resistência, habilidade e determinação mais antigo ainda realizado com regularidade na estrada. Vedada aos ciclistas profissionais, cada participante tem de pedalar os mais de 1200 km num tempo limite de 90 horas. À passagem pelas “cidades controle” é exigido aos participantes parar para ser carimbado e assinado o cartão de controle, procedimento praticado até hoje. Só para que conste, o vencedor da corrida inaugural foi Charles Terront, que entrou triunfante em Paris após pouco menos de 72 horas a pedalar e sem dormir. Assim nasceu a fama do PBP. Ao longo dos anos, houve algumas mudança, o que não será de se estanhar pois o mundo actual é um lugar bem diferente que em 1891. De qualquer forma, a sua mística é perdurável e os desafios que os randonneurs de hoje encontram nos vários brevets que completam, permanecem eternos e destacam-se pela sua determinação, espírito e amor à camisola. A prova tem na realidade 1.225 km de distância e 9.539 metros de subidas acumuladas. Uma pedalada longa e extrema, contra o relógio, assegura que somente os randonneurs mais tenazes recebem a prestigiosa medalha e tenham o seu nome escrito no “Grande Livro” do evento.
Há conta de um por ano, nos recentes cinco, fiz os meus “brevets privativos” entre o Porto e Fátima. Em Fevereiro, cumpri o meu primeiro brevet seguindo os regulamentos da cultura randonneur. A bordo da Alteza, uma bicla sem mudanças bem ao espírito randoneiro do antigamente, completei os 200km do L’Antique organizado pelos Randonneurs de Portugal! Depois virão os 300, os 400, os 600 (!!!)… Mas antes de qualquer outro desvairo, aceitei a proposta do Fernando para “pioneirizar” uma Flèche. E o que é isso da Flèche? Bem, são apenas 24 horas de rabo sentado num selim, a rodar pernas por mais de 360km, o que equivale a uma média de 15 km/hora. Canja, não é!? Assim, amanhã e depois da ligação por comboio, farei uma “Flèchada” com a cara ao vento, à chuva, e na boa companhia, do Jacinto, do Ricardo e do Fernando. Partiremos às 10 horas de Braga, passando por Mondim de Basto, Amarante, Régua, Lamego, Viseu, numa route pioneira pelos caminhos de Portugal até ao meeting point, em Coimbra, pelo que às 10 horas de Domingo esperamos encontrar a equipa que vem de sul.
Nos preparativos para a festa tenho vacilado muito na escolha da bicicleta a levar! Inicialmente pensei ir na Cosmos, bicla facilmente transformável em randoneira, com uma geometria menos racing que não iria flagelar tanto as minhas costas, só que o mesmo já não digo das pernas, pois os andamentos dela são bem durinhos. Com um acumulado de mais de 4 mil metros de altimetria, numa bicla leve, com andamentos leves, posso garantir um desempenho óptimo. Para tal tenho esta, uma bicicleta com andamentos adequados às subidas, que evita ter de levantar o rabo do selim e pedalar em pé a qualquer desnível, evitando um desgaste extenuante e desnecessário. O ciclismo de longas distâncias quer geometrias variadas, rodas robustas, pneus resistentes, equipamentos diversos, selins amigos, e pede faróis. O kit assenta-lhe bem e como é para devorar quilómetros decidi que vou na gOrka. Dá-me garantias. Além de todo o equipamento obrigatório constante dos regulamentos, nos alforges devo ter pelo menos duas câmaras-de-ar de boa qualidade, um jogo de ferramentas simples, espátulas, roupas quentes e impermeáveis, baterias, comida, papel higiénico… Não esquecer uma boa alimentação antes de uma longa pedalada. Um pequeno-almoço bem reforçado, pão, bananas, carboidratos, mas nada de alimentos que soltem os intestinos. Muita água, e quando parar num tasco junto à estrada peço sopa. Entretanto, se carecer daquela bomba de açúcar e sódio, uma coca-cola faz milagres. Estudado o trajecto, bicla nos trinques, é fundamental que me deite cedo e durma bem para acordar bem humorado e cheio de pica, a receita certa para transpor todos os obstáculos. Bora lá fazer a soneca…
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