textos de Marcos Paulo Schlickmann [7] Transportes e Política

Um homem que, depois dos 30, ainda ande de ônibus pode considerar-se um fracasso.

Margaret Thatcher(?!?!)

É um pouco desleal da minha parte começar um texto com uma citação duvidosa. Essa citação é atribuída à Dama de Ferro por alguns, normalmente pessoal da esquerda que acha que a Thatcher foi o anticristo na terra, e desatribuída por outros, normalmente seus acólitos da direita. Pessoalmente eu não acredito que ela tenha dito tal frase porém acredito que ela pensava assim, tendo em conta o desastre que foi a sua intervenção no setor dos transportes (nas redes de ônibus/autocarros principalmente). O que ela mais queria era cortar custos governamentais e satisfazer seus partidários. Num próximo texto irei abordar mais profundamente estas questões de privatização e o legado deixado por Margaret Thatcher.

Sistematicamente os personagens que compõem o debate político pegam os transportes para discutir. Nas discussões a nível nacional, na época das eleições para presidente da república por exemplo, temas como duplicação ou melhoramento das rodovias, melhoramento ou até criação no caso do Brasil de uma rede ferroviária nacional de passageiros, medidas para diminuição da quantidade de caminhões/camiões nas estradas (através da transferência do transporte de cargas para ferrovias, hidrovias e aéreo), aumento da segurança rodoviária e melhoria dos aeroportos são temas recorrentes mais no Brasil que em Portugal. Atualmente em Portugal o que muito se discute são as questões ligadas à sustentabilidade financeira dos transportes e suas instituições, às opções à privatização e formas de “remediar” os contratos ruinosos das parcerias público-privadas rodoviárias feitos durante os últimos 20 anos.

No nível mais local, para prefeito/presidente da câmara por exemplo, se discute questões referentes ao asfaltamento de ruas, ao estacionamento, à necessidade de ciclovias ou não, à preferência ao pedestre/peão e portadores de necessidades especiais através do melhoramento das calçadas/passeios e à necessidade de faixas de ônibus. Com o crescente uso da bicicleta, começa a se repensar a elevada importância dada ao automóvel.

Agora vou explicar um pouco da visão que a direita e a esquerda têm sobre os transportes. Vou dar exemplos extremos para ficar mais clara a discussão, porém é importante considerar que existe um grande meio-termo entre esses extremos. E é nesse meio-termo que se encontra a maioria dos eleitores e dos candidatos. No fim vou apresentar uma visão técnica e racional sobre as principais questões descritas a seguir.

Regra geral o pessoal da (extrema) direita política é contra qualquer aumento nos gastos públicos e, conjugado com o fato de serem normalmente pessoas que não usam/evitam o transporte público e demais serviços públicos, preferem quase sempre que se incentive (ou melhor: não se atrapalhe) o uso do automóvel pois, erradamente acreditam que o motorista paga todas as despesas inerentes ao uso do automóvel. São geralmente contra faixas de ônibus, ciclovias, aumento de subsídios ao transporte público e planos diretores que “privilegiem” o transporte público ou as bicicletas. Infelizmente não percebem que por muito tempo eles foram privilegiados. Essa falta de perceção do transporte urbano como um todo advém, na minha opinião, da visão reduzida que os motoristas têm do funcionamento desse sistema. A visão de dentro do carro.

fig 1

Figura 1 – A visão limitada de muitos motoristas a respeito do transporte urbano. Fonte: http://terceiroanodm.blogspot.pt/2012/10/visao-de-motorista-de-automovel-visao.html

Já, normalmente, o pessoal da (extrema) esquerda defende que se deve dar preferência aos pedestres/peões, bicicletas, portadores de necessidades especiais e transporte público. Normalmente não gostam de quem vai de carro pois provavelmente os consideram moralmente inferiores ou algo do gênero. Muitos acham que o meio ambiente é sagrado ou superior ao homem. Devem achar que dinheiro brota em árvore pois apresentam muitas vezes propostas absurdas de passe livre ou tarifa zero, mas se esquecem que alguém tem de pagar pelo transporte público.

Volto a dizer que essas caracterizações são extremas. Conheço pessoas de direita que apoiam e muito o transporte público e gente de esquerda que não larga o carro de jeito nenhum.

Numa visão racional, sem o calor político, é importante que todos sejam tratados iguais. A cidade é feita para as pessoas e não para os carros, bicicletas, ônibus ou metrôs. Quem paga os impostos são as pessoas e não seus veículos, apesar de os impostos estarem atribuídos ao veículo/serviço de transporte. Ninguém é melhor do que ninguém e, apesar de os automobilistas terem recebido tratamento preferenciado durante muito tempo, todos os meios de transporte devem ter espaço na cidade e os custos de cada um devem ser claramente reconhecidos. Porém, incentivos ao uso do automóvel são sempre um erro pois a rede viária não é um saco sem fundo, não é correto derrubar prédios para fazer ruas ou criar estacionamentos. Isso é um contrassenso: derrubar a cidade para dar espaço para os automóveis.

Relativamente à questão ambiental devemos ser racionais. É claro que devemos preservar o meio ambiente, acharia estranho se alguém dissesse o contrário, mas também devemos reconhecer que as pessoas devem ser livres para escolher a forma de se transportarem e ninguém é obrigado a amar o transporte público ou a bicicleta. Muitas pessoas têm necessidades que só o automóvel consegue servir e, tendo em conta a organização espacial das cidades atuais, é impraticável para uma grande parte das pessoas se transportar de outra forma. Um erro urbanístico durante o século 20 que usou o automóvel como “escala urbana” fez com que muitas famílias se tornassem dependentes desse meio de transporte.

É ambientalmente correto fazer 20 km por dia de bicicleta mas não é nenhum pouco interessante e funcional trabalhar suado. E eu faço 20 km de bicicleta quase todos os dias, mas reconheço que não é a melhor opção. Faço porque gosto e porque consigo me pôr decente antes de começar a trabalhar.

A respeito dos custos, o transporte público invariavelmente terá de ser subsidiado, por questões puramente técnicas inerentes ao sistema: é preciso assegurar serviços noturnos, de baixa demanda/procura e de caráter social, preços reduzidos para estudantes, idosos e portadores de necessidades especiais e é preciso assegurar a integração entre os vários meios, acabando sempre por um meio ter um custo maior que o outro apesar do passageiro pagar só uma tarifa, normalmente. Na Europa em geral os transportes públicos são normalmente subsidiados a 50%, ou seja o passageiro só paga metade do valor total da viagem. No Brasil há ainda muitos casos onde não há subsídio nenhum.

A ideia do passe livre até pode funcionar (e funciona em algumas cidades) mas nós nos devemos perguntar se é realmente necessária pois os entusiastas do passe livre se esquecem que já existem muitas pessoas que não pagam toda a passagem, através de descontos para estudantes, idosos, crianças, portadores de necessidades especiais e empresas que pagam o transporte de seus funcionários. Devemos também questionar se o sistema de transporte está pronto para receber esta nova demanda/procura, se é financeiramente sustentável pois há exemplos que mostram não ser, algumas cidades voltaram atrás e passaram a cobrar a tarifa (http://bit.ly/1grZe8U), se o sistema não vai piorar e se os passageiros continuarão a respeitar o sistema visto agora ser gratuito.

Na minha opinião o transporte deve ser barato mas não deve ser gratuito, exceto em redes pequenas e casos muito particulares onde os custos são facilmente controláveis, pois os custos inerentes a um sistema de transporte são muito elevados e sujeitos às flutuações dos preços do petróleo. Tal solução obrigaria a uma maior arrecadação de impostos ou a um maior redireccionamento dos impostos locais para o transporte. Os contratos entre os operadores de transporte e as agências reguladoras teriam de ser redesenhados para evitar que o operador tome atitudes desleixadas e não respeite o passageiro, pois ele sabe que como é o governo quem paga ele não precisa ter grande cuidado na prestação do serviço.

Os defensores da tarifa zero alegam que o transporte é um direito social como a saúde e a educação. Recentemente o transporte foi aprovado como direito social no Brasil (http://bit.ly/IG4OGt), tal inclusão deve estimular a busca de novas formas de financiar a tarifa, sem dúvida um importante passo a dar. Porém me pergunto: Visto que agora o transporte é um direto social, o governo terá de subsidiar todos os transportes ou só o transporte público coletivo de passageiros? E quem vai de bicicleta também receberá um subsídio? E a pé? E de carro? E de moto?

Às vezes me pergunto porque não há movimentos como “Água livre”, “Gás livre” ou “Luz livre”, visto que são bens tão ou mais essenciais que o transporte. Tendo em conta o pouco que aprendi na faculdade sobre redes de água, acredito que seria muito mais simples tornar a água gratuita do que o transporte.

Sobre paulofski

Na bicicleta. Aquilo que hoje é a minha realidade e um benefício extraordinário, eu só aprendi aos 6 anos, para deixar aos 18 e voltar a ela para me aventurar aos 40. Aos poucos fui conquistando a afeição das amigas do ambiente e o resto, bem, o resto é paisagem e absorver todo o prazer que as minhas bicicletas me têm proporcionado.
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3 respostas a textos de Marcos Paulo Schlickmann [7] Transportes e Política

  1. Republicou isso em Matemática em Sobrale comentado:
    A mobilidade urbana se encontra no centro da questão, nas grandes cidades e até em cidades de porte não muito pequeno, como Sobral, no interior do Ceará, a movimentação urbana com carros já se tornou inisuportável derrubando o velho mito da liberdade oferecida pelo carro. O petróleo está se acabando e o meio ambiente não suporta mais a poluição produzida pelo petróleo e as “alternativas” ao combustível fóssil não respondem nem ao atravancamento das ruas com os carros e muito menos ao uso da terra para produzir combustível. E depois, a bicicleta existe e sempre existiu! A bicicleta é a solução saudável, econômica até para nos tornarmos novamente seres humanos. Mas Palosfski tem argumentos complementares interessantes.

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  2. mp35905 diz:

    Obrigado pelo comentário Praciano-Pereira Tarcisio.

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  3. gerardopereira diz:

    Republicou isso em Gerardo Pereirae comentado:
    E a bicicleta, aos pouquinhos, vai tomando o lugar previlegiado na
    mobilização urbana e empurrando para a periferia o consumismo
    automobilístico.

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apenas pedalar ao nosso ritmo.