É sempre bom voltar a locais onde já fomos felizes, penso eu de que… A região do Oeste, situada entre o Atlântico, a malha urbana da capital e a geografia elevada das serras de Montejunto, Aires e Candeeiros, é um belíssimo pedaço do país onde sempre voltarei com muito entusiasmo, a qualquer pretexto especialmente se for para dar ao pedal.
Caldas da Rainha é uma relíquia de Portugal, repleta de história e segredos do passado. A narrativa da cidade está intimamente ligada aos seus recursos hidro-termais. Fundado pela rainha D. Leonor, o hospital termal permitiu um pujante desenvolvimento da vila. Ao longo do tempo, além da cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro, outros artistas foram surgindo e fizeram das Caldas da Rainha um centro de artes plásticas, onde se destacou por exemplo José Malhoa.

Sábado pela manhãzinha deixei a Carla a aventurar-se pelas maravilhas das Caldas, museus e parques da cidade, e fui lesto rumo à Piscina Municipal. Não ia para banhos, pelo menos propositadamente, mas era lá que seria o depart para mais um Brevet Randonneurs Portugal. Com o lema Candeeiros 200, o terceiro brevet deste ano seria mais um a estrear, o que atraiu bastante interesse. À saída, quase 70 ciclistas predispostos, alguns estreantes, teve de novo várias participações femininas. Novidade para o próximo dia 8 de março, sairá para a estrada um Brevet totalmente feminino. Parabéns às participantes e um Bom Brevet.

Embora um pouco instável, a previsão climática prometia melhorias significativas, mas a chuvada anunciada para as 8h não falhou. Enquanto ouvíamos o briefing do Pedro Alves no interior das instalações, as bicicletas no exterior ficaram à mercê da intempérie. Entretanto a chuva parou, o céu permitiu uma aberta e mesmo à hora marcada arrancamos lentamente.

Resolvidos alguns erros de navegação, saímos da cidade e encontramos estradas mais tranquilas. Não conseguindo evitar os chuviscos vindos das rodas traseiras dos meus companheiros, sempre que possível tentava ir para a frente. Segui de novo na companhia do Pawel e do Nelson. O Alan também estava lá, pelos menos até ter o primeiro aviso do Garmin para virar algures, atraído na busca incessante de mais uns quantos quadradinhos…Só o voltariamos a ver à noite à mesa do restaurante.

Sem cerimónia, as primeiras subidas e as estradas ondulantes permitiram um aquecimento corporal bem necessário. O tempo húmido e o frio assim o aconselhavam. Há quem goste de subir a parada com um velomobile ou com uma bicla “recumbente”, mas para enfrentar algumas inclinações eu até preferia fazê-las na minha singlespeed. Depois, claro, vingavam-se de nós e desapareciam da nossa vista nas retas e nas descidas.

Para primeiro ponto de controle, o local escolhido foi uma novidade para mim. As Salinas de Rio Maior encaixam-se num vale no sopé da Serra dos Candeeiros que, dada a sua natureza calcária, contem inúmeras falhas na rocha o que faz com que as águas da chuva não fiquem à superfície, formando cursos de água subterrâneos. Uma dessas correntes atravessa uma extensa e profunda jazida de sal-gema que alimenta o poço, que se encontra no centro das Salinas, e de onde se extrai água sete vezes mais salgada que a do mar.

A primeira referência à sua existência data de 1177, mas pensa-se que o aproveitamento do sal-gema já seria feito desde a Pré-história. A minúscula aldeia de casas de madeira, junto à qual se destacam tanques de formas e dimensões irregulares, enchem-se de água salgada dando posteriormente a origem a brancas pirâmides de sal pelo efeito da evaporação.

Primeiro carimbo, tomado o café e um docinho, para adocicar ainda mais o espírito deu-se logo o inicio à principal ascensão do dia. Coisa interessante deste percurso era que iríamos acumular mais de 1.000 metros de elevação em menos de 50 quilómetros. Para dar início ao trabalho propriamente dito, enfrentámos uma apetitosa subida até Chãos. Mas isto não era nada comparado com o que nos esperava.

A Serra dos Candeeiros, elevação com cerca de 600 metros de altitude, é parte integrante do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e conhecida pelas suas impressionantes grutas naturais. Segundo a memória dos antigos o seu nome provém do facto de terem existido na serra muitos pastores que durante os meses de verão ateavam fogos para permitirem a renovação dos matos. Os fogos faziam a serra parecer um candeeiro e daí o seu nome, por causa das candeias.

Éramos nós a escalar a serra e o asfalto a desfazer-nos em pingos de suor. Pior estava a Loca, a bicla do Pawel, magoada à custa da lei da gravidade, o desviador traseiro empenou e não permitia os andamentos mais leves, tendo o nosso amigo que se sujeitar a um esforço extra para chegar aos topos das rampas mais ingremes. Em Serro Ventoso. Diz que o galo ali é rei e senhor, só que ele não canta de galo. No fim ele tem é galo porque acaba sempre na panela.

O tempo manteve-se instável na maior parte da manhã. Uns fogachos de sol ao longo da descida, mas São Pedro estava de candeias às avessas, só podia! Na ondulação da estrada o vento frontal fazia-se sentir cada vez mais intenso. O céu escureceu e a chuva, que era suposto ter-nos dado problemas apenas no inicio, decidiu que não nos podia escapar e encharcou-nos de alto a baixo um pouco antes de chegarmos ao Mosteiro da Batalha, onde estava programado novo PC.

As Capelas Imperfeitas são colossais mas não servem para abrigo, e foi com todo o cuidado para não me estatelar no escorregadio piso de calcário que procuramos o café mais próximo para reabastecer e aquecer. Os meus pés não sentiram nada de diferente, continuaram molhados e gelados, mas o galão e aquela mega sande mista de queijo e presunto fizeram maravilhas ao ânimo.

Quando retomamos a pedalada já estava um belo dia de sol. A borrasca deu lugar a um céu limpo e soalheiro que nos iria acompanhar até ao fim do dia. Entretanto no labirinto de ruas e travessas que tivemos de transpor, reparo, e paro, junto a um interessante fontanário. Para além do interessante painel de azulejos, foi o candeeiro que me prendeu a atenção. Então, se o brevet é dos Candeeiros fazia todo o sentido fotografar pelo menos um candeeiro!

Chegámos ao terceiro controlo em Monte Real, com metade da quilometragem feita. Para além da desejada sopinha, e acabar de mastigar a mega sande de queijo e presunto que trazia na sacola, ainda faltava percorrer mais de metade do percurso. A parte mais difícil já tinha ficado para trás e as pernas estavam prestes a melhorar. Aproveito para deixar o nosso agradecimento à dedicação dos voluntários que esperam pacientemente a cada posto de controlo e nos recebem com um sorriso e carimbo na mão.

Um pouco mais à frente a rota convergia para a costa, atravessando o que outrora foi o verdejante Pinhal de Leiria, uma imensa mancha florestal que agora não passa de um deserto depois dos trágicos incêndios de 2017. A estrada plana e a ciclovia que a bordeja convidavam à velocidade, mas aí o forte vento de noroeste refreou-nos as forças para que, assim nós chegássemos ao ponto de viragem para sul, nos desse então uma certa palmadinha nas costas.

Efectuado o autocontrolo na Lagoa da Ervedeira, um pequeno paraíso bem porreiro para espraiar e observar aves, retomamos a plana estrada Atlântica e a ciclovia paralela. Infelizmente a suposta via para pedalar em segurança está mal cuidada e em alguns locais muito perigosa. Aquilo que poderia ser um dos melhores pisos para pedalar, desde que se tenha ventinho pelas costas, acaba por ser desaconselhável e empurra o ciclista para o asfalto, com algum tráfego desarvorado que por ali acelera.

À passagem pelo Farol da Saudade em São Pedro de Moel, sítio de boas memórias, já estava a sentir um certo desvanecimento das energias. Nem a força do vento me ajudava e, enquanto estava com eles, procurava as rodas dos meus amigos, tentando desenvolver alguma divisão de esforços, o que nem sempre ia conseguindo.

Estávamos perto do controlo 6, na Nazaré. Ao contrario da outra vez que por ali passei, em sentido contrário, desta feita estava um sol radioso e parámos no famoso miradouro do Sítio para as fotografias. Sabia de antemão que deveria estar um verdadeiro reboliço por aquelas bandas. Sábado à tarde, bom tempo, um ex-libris turístico por excelência. O que não sabíamos era que vários desfiles pré-carnavalescos nos iriam atrapalhar de certa forma a chegada junto à praia. Ah… entretanto sou apresentado e apanhado pelo verdadeiro Canhão da Nazaré.

No posto de controlo previsto para comermos alguma coisa, aproveitamos a energia extra que o sol nos transmitia e embalamos na corrente, não das ondas gigantes mas no espírito da entreajuda. Até São Martinho do Porto pela estrada nacional foi um tirinho. À beira mar as paragens repetiam-se agora com mais frequência. Transposta a Serra do Bouro, após Salir do Porto a descida para a Foz do Arelho assumiu contornos de satisfação com a brisa marinha, um intenso sol poente e as vistas para o Atlântico onde se consegui facilmente identificar as Ilhas Berlengas.

Último controle carimbado e um último bilhete postal antes de ir pedalar o último troço de estrada, já mais concorrida, no regresso a Caldas da Rainha para a conclusão triunfante de mais um memorável Brevet dos Randonneur de Portugal. Tenho de estar grato mais uma vez aos meus amigos e companheiros de toda a pedalada, Nelson e Pawel, bem como os demais randonneurs, voluntários e organização, que sabem dar valor ao esforço e à dedicação com a amizade e valentia que estes passeios “breveteiros” promovem.

Aqui deixo o registo no Strava. Até Breve(t)














