Longas temporadas da minha infância foram magnificamente vividas no Lugar do Castelo, em Frende, a aldeia dos meus avós maternos. Sempre que lá vou, qualquer árvore, as pedras, todos os possíveis aromas têm o poder de soltar memórias que me remetem a momentos mágicos. Das muitas aventuras que faziam parte do nosso quotidiano, vividas juntamente com o meu irmão Tó e os amigos da aldeia. De autênticas loucuras, banais para eles mas absolutamente arrojadas para dois ousados rapazes do Porto que iam para casa dos avós gozar umas semanas de férias.
Quantas situações difíceis em que escapamos por um triz são agora motivos de risos. Quantas reprimendas ouvi do meu avô por nos ter visto em brincadeiras junto à linha do comboio. Quantas proezas da mais pura irresponsabilidade, abusando da benevolência da minha tia Sílvia, nós sobrevivemos. Da nossa inconsciência, onde as aventuras encorajadas pelos rapazes da aldeia nos faziam superar os mais arriscados desafios. Dos dias de absoluta rebeldia, num sítio onde dois irmãos da cidade viviam livres como se fossem personagens de um dos contos do Tom Sawyer e onde o Douro era o nosso Mississípi. Em outras palavras, eram os bons velhos tempos.
O Douro não é um rio que se possa confiar, mas o Tónio, o Rui, o Quim, tinham dele uma compreensão destemida. Uma das coisas inevitáveis nos raros reencontros com um destes amigos “do Castelo” é relembrar as nossas maluqueiras. Atravessar o rio a nado tinha o seu quinhão de ciência e de loucura. Ainda mais quando as razões para o fazer não seriam as mais louváveis. Eu encontrava sempre razões lógicas para, pelo menos, tentar desencoraja-los, mas nunca tinha sucesso nas minhas intenções. Para eles a corrente do rio nunca estava forte, a água nunca estava fria, os cães na outra banda nunca estavam soltos e o lavrador nunca estava vigilante. Mas não era eu que ia dar a parte de fraco. Ir pescar para o rio era quase sempre a desculpa para a malta dar umas braçadas até à outra banda, ir comer das cerejas de Resende! Depois era tentar não sermos apanhados pelo velhote, tentar chegar ao rio sem levar uma dentada dos cães, nadar sem que que nos faltasse as forças.
O olhar retrospectivo oferece uma percepção dos reais perigos onde nos metíamos. A distância com o passado faz com que mesmo os momentos menos bons sejam celebrados. Claro que em toda a vida há ocasiões mais difíceis e outras mais agradáveis. Os bons velhos tempos, por melhores que tenham sido não constituem um paraíso perdido. O paraíso e as memórias continuam lá e sempre me recebem de braços abertos. Só não me atrevo voltar a atravessar o rio a nado para ir “gamar” cerejas. Agora, se as quero provar, as apanhar das cerejeiras com a permissão, ou não, do dono, pego na bicicleta e pedalo Douro afora com um grupo de amigos, para depois voltar a casa no comboio MiraDouro.
Ir às cerejas já não significa só pendurá-las nas orelhas a fazer de brincos.