Sempre que o vento sopra irado e trespassa o arco metaliforme da ponte, faz-me supor a perversa tentação que por aí vem. Como um menino traquinas que espia a catraia no meio da maralha, a tímida fotografia tirada do outro lado do rio tem um certo grau bisbilhoteiro.
Vista daqui, a cidade rebelde e apertada, onde os telhados ocres se encavalitam na confusão, tem sempre diferentes formas de me surpreender. Travestindo-se, assemelha-se a uma velha rabugenta no rumor que perpassa por entre o casario, através do seu semblante severo. – Põe-te a andar daqui p’ra fora, senão…!
As ameaçadoras nuvens, cinzentas, vêm atestadas de água vinda do mar, cujo pranto se antevê abundante ao primeiro ribombar do trovão… Iludindo-me através do reflexo no lençol, dramatizo o quadro que aqui reproduzo. Aperto o gasganete com o fecho do agasalho hermético e deixo cair o inspirador sonho. – Sim, é melhor começar a dar ao pedal!
Vou agora ao despique com a vagarosa corrente do rio que é feito de ouro. Aligeiro a pedalada rumo à agitação salgada do mar. O vento frio colora-me as bochechas, enquanto o poderoso Atlântico se aproxima decididamente do meu nariz. A morrinha salpica-me a face como se estivesse na proa elevada de uma heróica embarcação. As gotas suspensas aglomeram-se, densas e compactas como que formando um corpo só, prontas a saltar borda fora.
E depois de superadas as batidas fortes do vento de sul, a turva orla marítima entre o Cabedelo e a Madalena, passo o portão, encosto a bicla à parede e recebo as boas vindas de um pai embevecido pelo regresso do filho pródigo… – Tu és maluco, vires de bicicleta com este temporal?! Vai já trocar essa roupa…
As aventuras de infância tinham mais “sabor” e peso, quando terminavam com um ralhete e, talvez… até com um lanchinho saboroso na mesa, preparado pela mãe.
Este post mostra exactamente essa eterna forma de amar dos pais!
Muito bom texto e post!
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