amor é, chegares a “casa” e ouvires a frase: “Que é!? Vais já para a banheira.

“-Vais pedalar? -Vou… -Vai com cuidado.” Este é o diálogo rotineiro a cada minha saída matinal de licra vestido e capacete na tola. Não imaginava a Carla para onde eu ia pedalar esta manhã de Sábado, só havia avisado que não me esperasse para o almoço.

Serra #20

Não é todos os dias que tenho a possibilidade de marcar o rodado dos pneus em trilhos de todo-o-terreno. Sem viatura própria, isto é, sem uma bicla de bêtêtê decente, moderna e funcional guardada na arrecadação, para aceitar o convite do Rui tive de recorrer ao empréstimo da sua BERGolina, assim a baptizei. Ponto de encontro na Ribeira com o Luís e o Tozé, aka W. Wolf, amigos com quem fizemos a recente bicigrinação a Compostela. Também alinharam no desafio o Domingos, o Sérgio e o filho do Luís, num excelente convivo por montes, vales e rios. Um magnífico passeio pelo nosso quintal serrano, comendo pó e bebendo camaradagem.

Depois de uma semana de intenso calor, estranhamente a manhã estava fresquinha e carregada de nuvens, mas estávamos optimistas. Cumprimos nas calmas o percurso alcatroado até às portas de Valongo, para então começarmos a desbravar a Serra e acumularmos bons momentos. Orientados pelo lobo mau, o tal das “subidas lizinhas, sem dificuldade nenhuma”, galgamos trilhos agrestes de pedra solta, ao ponto alto da paisagem se abrir à nossa frente, e depois descer vertiginosamente num downhill alucinante e poeirento. Para não variar, eu era sempre o último a chegar aos cursos de água.

A luz enevoada dos densos arvoredos, a orografia dos trilhos do Paleozóico tornava a coisa quase mística, mas só até ao reencontro com o asfalto. Justamente na íngreme ascensão empedrada do Monte de Santa Justa, aos poucos fomos chegando ao cume para a foto de grupo na escadaria da capela.

É tão agradável a sensação de pedalar no meio do monte, na paz e sossego da floresta, nos misturarmos com a natureza para voltarmos de novo à civilização e, demorado algum tempo, percebemos que não sabemos bem onde estamos! E quando dei por ela já estávamos no alto da Senhora do Salto! Então descemos para finalmente relaxarmos ao sabor da célebre febra no pão, com todos os extras a que tínhamos direito.

Serra #12

Pouco interessado nas mudanças de humor do clima, ao rever aquele “pequeno Canyon”, as escarpas de rara beleza sobre o Sousa, recordei momentos de infância quando os meus pais nos levavam a visitar a capela, merendar e refrescar nas límpidas águas do rio. Gostei de lá ter voltado mas estava triste com o panorama. Aquele mastodonte de cimento, obra do chamado “desenvolvimento”, que paira incongruente sobre um inestimável património natural é demasiado chocante. Os crimes ambientais são facilmente perceptíveis, a poluição do rio e a chamuscada mancha florestal que recentemente foi consumida por mais um incêndio no mínimo duvidoso.

Reparado o estranho furo detectado na minha montada, rápido embalamos pelas margens do rio até reencontrar a estrada e, numa cota bem mais elevada, voltar a sair dela para de novo britar pedra, subir e descer, recarregar os níveis de adrenalina deixando um opaco rasto de pó. O reino da fantasia foi por momentos interrompido pelo roncar do motocross, para logo voltarmos ao silêncio e ao suave zumbido das correntes e dos estalinhos das transmissões das bicicletas… ah, e o rock & roll saído da coluna de som da bicla do Domingos!

Estranhamente, o comandante lobo desorientou-se, enganou-se no caminho até no meio do mato descobrir um autóctone, espécie de gêpêesse humano da terrinha, que nos recolocou no rumo certo. E o rumo era o regresso à estrada, descer ao Douro e à velha nacional 108, para numa cadenciada… vá lá, cansada pedalada, voltar ao ponto de partida. Rebocando quem atrás vinha e ouvia música, a música do vento que se podia ouvir, chegamos a tempo do lanche. Despedidas feitas, cada qual rumou para sua casa…

… e em “casa” me apresentei, feliz da vida, nesta triste figura!… “-Olá amorzinho!” 🙂

Serra #23

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Sobre paulofski

Na bicicleta. Aquilo que hoje é a minha realidade e um benefício extraordinário, eu só aprendi aos 6 anos, para deixar aos 18 e voltar a ela para me aventurar aos 40. Aos poucos fui conquistando a afeição das amigas do ambiente e o resto, bem, o resto é paisagem e absorver todo o prazer que as minhas bicicletas me têm proporcionado.
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2 respostas a amor é, chegares a “casa” e ouvires a frase: “Que é!? Vais já para a banheira.

  1. Nelson Branco diz:

    falta a foto da sandocha e da caneca de “receita” na tasca do Salto 🙂

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  2. paulofski diz:

    as sandochas foram devoradas mesmo antes de alguém se lembrar de lhes tirar o retrato. Quando à hidratação, a receita foi outra, Superbock preta, duas mais propriamente.

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apenas pedalar ao nosso ritmo.

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