São cinco e meia da matina e sigo ao volante, só mas acompanhado, com Dona Tripas ao frio empoleirada no tejadilho. Quanto mais me aproximo de Esposende mais aumenta a neblina e desce a temperatura do ar. Vou juntar-me ao grupo de coletes garridos organizados e participar no primeiro evento randoneiro de 2019, a norte. O Brevet CaMinho200, um fantástico passeio a pedais com uma temática própria e que vai na sua segunda edição. Foi há dois anos que na companhia do Jacinto, do Couto e do Campelo, pedalei na maior das calmas, por velhas estradas e modernas ciclovias minhotas. Desta vez, porém, terei outras companhias e também outro ritmo.
No baiquecheco muitas máquinas topmodel, a maioria do tipo anoréxicas mirradas, e poucas da categoria de pesos pesados. Eu, claro, estava à procura de bicicletas vintage mas, neste evento, Dona Tripas era a única de pedigree clássico. Um a um, os participantes iam chegando. Muitas caras conhecidas e algumas novas que fariam um BRM pela primeira vez. Com as conversas em dia, ao sabor da simpatia das meninas da Cruz Vermelha, dos biscoitos e do café, terminado o curto briefing o pessoal foi montando nos selins das suas queridas biclas previamente validadas, em grupinhos, entrando na monótona EN13 rumo a sul.
O que mais activa e torna estes passeios tão atraentes para mim é o convívio e a luz da manhã. O mini pelotão rolava em amena cavaqueira, o ar frio descolando as remelas e o sol despontando a nascente. Em Fão, assim que saí da treliça de ferro da ponte, o rio Cávado apareceu sereno e por si só esta cena faria o dia já ter valido a pena. Não resisti, apertei os travões, posicionei a bicla e tirei a foto.
E fiquei para trás, prontes!
Em modo solitário prossegui, controlando ao longe os pontos vermelhos LED das bicicletas a perseguir. Pedalava agora numa cadência mais rápida, não só na intenção de os vir a alcançar mais à frente mas também para aquecer as pernas. Antes da viragem a nordeste, perdi-os completamente de vista e fui alcançado pelo Valter, outro iNBiCLAdo. Primeiros quilómetros na contagem decrescente da EN306 e concluiu-se a primeira etapa com a devida paragem em Gião. Não porque estivesse cansado, mas porque era necessário dar a primeira carimbadela no cartão brevet.
A velha estrada ziguezagueia através de áreas rurais, património arquitectónico e pequenos povoados, permitindo aos ciclistas cruzar míticos locais de passagem de peregrinos a caminho de Santiago. Eu não fiz muitas fotos neste brevet e as poucas que tirei foram em andamento.
A bruma da manhã eleva-se visivelmente e a temperatura sobe ligeiramente. As nuvens foram-se dissipando e o sol, a dez graus acima do horizonte, espreitava, desenhando as primeiras sombras no alcatrão.
Chegamos a Barcelos e o Valter teve galo. Forçado a interromper a pedalada ali mesmo, a meio da ponte medieval, foi só com o recurso a ferramenta e muita teimosia que conseguiu soltar a corrente encravada na roda pedaleira da sua titânica iNBiCLA. A muito custo lá se conseguiu engrenar de novo o mecanismo e continuar rumo a Norte por muitos quilómetros.
Sempre que a estrada empinava sou atingido pelo calor do ar, o que tornava incomodo o excesso de roupa a cobrir o corpinho. Depois de um pequeno topo, foi a meio de uma curva que resolvi parar, para, ali mesmo, fazer um strip ao vivo.
Mais uma vez à passagem pelo rio do esquecimento, em Ponte de Lima, lembrei-me logo que vinha aí a parte dura do percurso. A Serra da Labruja e aqueles 10 quilómetros de parede até Paredes de Coura. Desta vez a escalada correu-me às mil maravilhas e sempre com companhia para jogar cartas. Quase no topo, em Rendufe, havia uma foto que valeria a pena repetir.
Arrematado mais de metade do brevet, chegamos ao posto de controlo seguinte, que é numa pizzaria, na hora certa para enfartar a barriguinha.
Depois de um pequeno descanso, suficiente para desfrutar da infusão de carboidratos, aproveitamos os suaves declives da estrada para relaxar. O peso e a estabilidade de Dona Tripas funcionam a meu favor nas descidas, contra fortes ventos cruzados, empurrando-me a um ritmo de bolina. No posto de controlo em São Pedro da Torre, um reforço de cafeína esperava-me. Da minha cadeira de esplanada a sesta faria milagres mas, já sei, ainda nos resta muito chão neste belo dia.
Atravessada a linha férrea, fomos explorando o lugar até que nos surge o espelho da fronteira natural, do Rio Minho. Mais uns metros pedalados e calca-se o tapete vermelho da ecopista que segue ao longo da margem do rio. Dou um gole de água, viro a bicicleta a poente, e um forte vento encanado de noroeste sopra-me mesmo nas fuças.
Mas a erva é verde, o céu é azul, os bosques estão florescendo… Quem presta atenção ao vento quando é assim à nossa volta? E assim foi, um pachorrento passeio com a Mãe Natureza soprando-me aos ouvidos: Quem precisa de ter pressa, afinal? Instantaneamente, fui acordado do entorpecimento com a pesada massa de aço de um comboio que corre paralelo ao caminho.
Menos concorrida nas áreas rurais, a ecopista está mais movimentada quanto se aproxima de locais de lazer à beira rio. A seguira Vila Nova de Cerveira, passados poucos quilómetros, termina a pista. Após um empedrado manhoso retoma-se a estrada, a famigerada EN13. A paragem de autocarro ali existente foi abrigo por alguns minutos para repor a armadura e fazer um pequeno lanche.
Volto a escrever sobre a malinha que trago agarrada ao selim. A mala Carradice é um acessório indispensável nesta bicicleta. Não é só óptima para as pequenas coisas do commute diário como me dá boa capacidade de carga nas longas distâncias, para levar as ferramentas de emergência, as mudas de roupa e a comida. Quanto mais pedalo com ela mais dependente me torno dela.
Depois de Caminha rodamos para sul e viramos as costas ao vento. Agradavelmente, as minhas pernas ainda parecem frescas mas não estava a pedalar em velocidade de corrida. Há um propósito no meu ritmo. Seguir confortável. Embora Dona Tripas seja mais cómoda do que as bicicletas de estrada, é bem mais pesada e mais lenta. Tanto o desejo como o esforço tem de ser geridos com ponderação.
Com Viana do Castelo no horizonte, pedalávamos a bom ritmo e não sentia a necessidade de reabastecimento. A programada paragem na Natário ficou sem efeito e, à passagem na Ponte Eiffel sob o Lima, faltavam pouco mais de vinte quilómetros que seria superados com boa disposição. Não eram ainda as 18h e estávamos de novo no Posto da Cruz Vermelha de Marinhas a carimbar o cartãozinho amarelo e a registar a nossa chegada.
Venha o próximo…