the Magic Bench

Noca Ramos é um conhecido designer de bicicletas e tem motivado meio mundo ciclista a dar ao pedal até um pequeno paraíso aquático, a Lagoa de Mira. O repto é tirar um retrato com a companheira de viagem, enquadrados numa esplêndida vista, em pose na varanda de madeira sob as águas tranquilas da lagoa, para mais tarde ser partilhado no seu álbum “the Magic Bench”.

The Magic BenchFoi no dia mais longo do ano que a coisa se proporcionou. Em pleno gozo de uns dias de férias, a meio de uma manhã ventosa, decidi trocar a toalha de praia por um passeio em solitário. Ida e volta à Lagoa de Mira, um lugar onde já fui feliz. Há doze anos passei em família uma semana de ócio numa daquelas casinhas da Quinta da Lagoa. Por lá muito pedalei, ora na companhia do meu filhote pelas ciclovias que bordejam a lagoa e se embrenham nos pinhais, ora rodei os pedais do cisne flutuante, namorando ao som da passarada. Portanto, motivos não me faltavam para lá voltar.

O plano era simples, pisar os pedais de Sua Alteza pelo percurso plano e tranquilo da costa, para mais tarde acrescentar o ferry à digressão, na travessia de S. Jacinto para Aveiro. Depois da Lagoa de Mira e da foto prometida, o esquema era regressar pelo caminho inverso. Mais quilómetro, menos quilómetro, seria qualquer coisa para duas centenas deles, a uma só velocidade. À passagem pela casa do meu pai, na Praia da Madalena, fui ao computador conferir os horários do ferry. Na minha mente permanecia a dúvida se o barco estaria em funcionamento e no site da Moveaveiro está claro como a água: a cor azul garantia-me o serviço do ferry às 14h15, portantos…

Sob um agradável céu azul e temperaturas amenas, fui vadiar ao encontro dos momentos, respirando os ares marinhos importados pelo vento oeste. Na passagem de nível da Granja, e pelo aparato que encontrei, a cancela estaria fechada fazia tempo e assim permaneceu por uns vinte minutos. Teria dado tempo para tomar um cafezinho na esplanada à beira mar. Depois de Espinho, e do passadiço de Silvalde, parei junto ao que resta do Centro Turístico… digo, da Carreira de Tiro de Espinho do Regimento de Engenharia nº3. Ali passei um bom ano a marcar passo, em guerras de faz-de-conta e a conduzir carros da tropa. Do CTE apenas restam memórias e a garagem onde eu guardava o Unimog.

De Paramos até Esmoriz, e para não bater com os costados na N109, a opção é a estrada paralela à linha que se “apanha” depois de contornar o quartel, mesmo antes de chegar ao apeadeiro. Em Esmoriz, mais ou menos a meio da Avenida da Praia, virei à esquerda e pisei a CicloRia. Esta interessante ecopista, paralela à Estrada Florestal, embrenha-se na mata de Maceda e no Parque Ambiental do Buçaquinho até ao Furadouro.

The Magic Bench #6

O ar puro, o aroma dos pinheiros, o sossego e todos os possíveis estímulos, inspiram e cresce de forma inapelável a vontade de ficar ali, naquelas pistas, a dar voltas e mais voltas. Foi, pois, com alguma boa vontade que à passagem por Furadouro que rumei para a N327, estrada que mareja a Ria e liga Ovar a São Jacinto. Aqui e ali não resisti a parar, fotografar, permanecer estendido na relva absorvendo toda aquela mansidão.

À hora de almoço já estava em S. Jacinto e, logo ali, fiquei sem esperanças de encontrar o ferry a postos para me levar, a mim e à minha bicicleta, para Aveiro! O frete seria feito à hora marcada mas por uma lancha que não transporta qualquer tipo de veículo, só leva bípedes! Ora bolas, não é isso que está escarrapachado no site da Moveaveiro! O plano de navegar para a outra banda foi por água abaixo e, como de nada me valia barafustar, o melhor foi procurar um completo e económico menu do dia.

Almocei bem e digeri com calma aquela sobremesa: dar meia volta e somar mais quilómetros à voltinha. De novo a pedalar ao longo da Ria, após a passagem pela Torreira, atravessar a ponte, seguindo para a Murtosa. Procurando não me perder, liguei o gepeésse do telemelgas, mas o raio da maquineta queria, porque queria, que eu fosse pela N109. E eu ia teimando com a coisa, mas à chegada por Estarreja percebi que não teria outra hipótese. A partir dali tive de partilhar a estrada com fumo, barulho e razias. Até estou habituado a pedalar naquela via demoníaca, o que não acontece geralmente é andar por ali nos chamados dias úteis. Paciência!

Paciência! Cerrei os dentes, finquei os pés, observei as cegonhas, e foi já à passagem por Aveiro que parei à beira da estrada para comprar duas maçãs. O ritmo já era diferente e estava muito para além do horário previsto de chegada a Mira. Enquanto roía uma maça, cheguei a pensar retomar o plano inicial, pedalar pelas pacatas ruas das Gafanhas, mas decidi pegar no Plano B: seguir a N109 até Mira (depois de Aveiro é uma outra estrada), e no regresso, atalhar então pelas Gafanhas até Aveiro e aproveitar o serviço de comboios urbanos para o Porto.

Cheguei finalmente às águas calmas da Lagoa e encontrei os bancos mágicos (encontrei dois!) O “The Magic Bench” é o que tem um barco submerso, mesmo ali ao lado. As fotografias, as casinhas da Quinta, as memórias, as pessoas que vagueavam a pé e de bicicleta, até os plásticos espalhados pelas margens, me fizeram sentir cumprido o propósito da viagem. Só teria uns minutos para comer a outra maçã e encher de novo a garrafinha, pondo em prática o Plano B.

The Magic Bench #12Fui ao encontro do mar pela tranquila e esburacada estrada florestal, mas não o cheguei a ver. Rumei a norte pela CM591, contra o vento cruzado. Gafanha da Boa Hora, Gafanha do Carmo, Gafanha da Encarnação, Gafanha da Nazaré… Simplesmente girava as pernas, soltas e pujantes, pela planície da Costa Nova. Cento e noventa quilómetros depois, cheguei a Aveiro para apanhar o comboio. Um curto momento de relaxe para enquadramento fotográfico de Sua Alteza, ou o atabalhoamento na utilização da máquina de bilhetes, o que quer que tenha sido, o CP Urbano das 20h12 para o Porto – São Bento partiu sem mim! Ora, o dia não seria perfeito sem outro contratempo, não é!? Por isso fui jantar. Uma hora depois volto à estação, acomodo-me com Sua Alteza no comboio e, passados dois ou três apeadeiros tive de agradecer ao revisor a sua benevolência por não me multar! É sabido que antes de entrar no comboio é preciso validar o bilhete, coisa que me esqueci completamente de fazer!

A magia do cicloturismo é isto, viajar a sós ou acompanhado, quando e por onde nos dá na veneta, à aventura, sem certezas nem garantias. E outra vez fui, estrada fora e sem desviadores. Mesmo tendo um desvio imprevisto fi-lo com imenso prazer. Adoro pedalar, em qualquer uma das minhas bicicletas mas especialmente nesta. Não reclama, não empana. Faz-me evocar, reviver, desafiar limites, testar a forma física e mental. Faz-me ir por bons caminhos, desde que sejam planinhos. 🙂

The Magic Bench #18

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Sobre paulofski

Na bicicleta. Aquilo que hoje é a minha realidade e um benefício extraordinário, eu só aprendi aos 6 anos, para deixar aos 18 e voltar a ela para me aventurar aos 40. Aos poucos fui conquistando a afeição das amigas do ambiente e o resto, bem, o resto é paisagem e absorver todo o prazer que as minhas bicicletas me têm proporcionado.
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5 respostas a the Magic Bench

  1. Nelson Branco diz:

    Muito bom este relato… à dias estive tentado em fazer este programa, curiosamente, nos mesmos moldes com passagem no Ferry e tudo… ainda bem que houve um contratempo e não fui… 🙂 é que sem passagem de barco e ter de fazer a estrada até Ovar (sim, porque não acredito que teria combustível para chegar a Aveiro) a levar com vento na “tromba”, cheira-me que seria uma espécie de empeno.
    No entanto, são estes imprevistos que tornam estas voltinhas em histórias memoráveis.

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  2. paulofski diz:

    Obrigado pelo comentário Nelson. É um bom e relaxante passeio, especialmente na passagem da Cicloria pelo Parque do Buçaquinho. Quanto à falta do ferry em S. Jacinto, é muito desagradável, especialmente para quem reside na área e usa a bicicleta como meio de transporte. Por isso reparei na quantidade de bicicletas nas imediações amarradas a postes e ao grademamento. Nem um parque de bicicletas existe. Entretanto foi-me revelado, por quem o fez, que num tasco em frente se pode desenrrascar a travessia em barcos privados. Há dois tipos que asseguram esse tipo de negócio paralelo, a preços que desconheço mas que suponho sejam pró carote.

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  3. Excelente reportagem. As fotos dão vontade de ir por aí…

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apenas pedalar ao nosso ritmo.

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