Porque a lei deve proteger os ciclistas
artigo de opinião de João Pimentel Ferreira
“Na semana que passou, surgiu a público uma notícia da Lusa, difundida por vários jornais, em que era referido que várias associações de ciclistas pretendiam que os seguros de veículos a motor pagassem as custas de um eventual sinistro, mesmo no caso em que os culpados pelo sinistro fossem ciclistas. Após falar com um dos visados, confirmou-se o que era expectável, que na realidade tratou-se de mau jornalismo, pois a jornalista confessou que discordava da medida, tendo deixado essa mesma opinião latente na forma como apresentou a notícia, completamente descontextualizada e com frases soltas dos intervenientes.
Habito na Holanda há cerca de um ano, país onde se aplica esse princípio desde os anos 1990. O princípio denomina-se Princípio da Responsabilidade Objetiva (Strict Liability). Basicamente é colocar em prática um princípio geral do direito, que se aplica por exemplo na legislação laboral ou num pleito onde estão em causa os interesses de crianças; que é o princípio da defesa do mais fraco e desprotegido. Era assim, aliás, que funcionava no início da era automóvel nos anos 1920 até aos anos 1940. Por essa altura em caso de atropelamentos de peões a culpa era sempre imputada ao condutor do veículo a motor, por ser este que detinha um chassi de metal, em confronto direto com alguém que se apresentava de “carne e osso”. Todavia, introduziram-se uma série de regras para os peões nos diversos códigos da estrada, que faz com que, presentemente, em caso de atropelamento grave de uma criança ou de um adulto, são estes últimos muitas vezes os responsáveis pela reparação dos estragos nos veículos.
Há um caso que muito me chocou particularmente, que se tratou de uma menina de três anos que foi mortalmente atropelada em 2012, na berma da estrada nacional 224, que liga Vale de Cambra a Arouca. Naquela zona, sem passeio e com menos de um metro de berma, a menina estaria a passear junto à estrada, enquanto a avó guardava uma embalagem num saco das compras por um segundo. A criança foi colhida por um carro que não terá respeitado o limite de 50 quilómetros por hora, e projetada cerca de vinte metros. A responsabilidade pela morte da menina ficou imputada à avó de 82 anos, que foi acusada de homicídio por negligência, por não lhe ter segurado bem na mão, mesmo considerando que o automobilista não foi prudente, pois tinha segundos antes avistado a menina irrequieta a brincar junto à estrada, não tendo abrandado a velocidade.
Na Holanda, que tem em prática o Princípio da Responsabilidade Objetiva, em caso de embate entre um veículo motorizado e um utilizador vulnerável, a parte motorizada (ou o seu seguro) tem sempre pelo menos 50% das responsabilidades no sinistro, à exceção do caso de ser menor e ficar provado que o fez propositadamente, caso em que são os pais responsabilizados. A expressão “ter culpa” em caso de sinistro entre um veículo a motor e um utilizador vulnerável é, na maioria dos casos, errónea e simplista, pois parte do princípio redutor que a parte “culposa” não cumpriu uma das regras estabelecidas no Código da Estrada, ignorando completamente a vulnerabilidade, a prudência e o risco para a integridade física de cada uma das partes.
Não é preciso dar exemplos teóricos, pois tenho um exemplo prático. No caso anteriormente referido, ficou provado que o condutor não foi prudente, ao avistar a menina de três anos a brincar junto à estrada, e que o mesmo não abrandou a velocidade quando se aproximou da criança. Pela aplicação restrita das regras do Código da Estrada foi a menina a “culpada”, pois foi atropelada na estrada, local próprio para carros e não para peões; mas, à luz do Princípio da Responsabilidade Objetiva, considerando que um menor é inimputável, e que é muito mais vulnerável que um veículo de uma tonelada a 50km/h cujo condutor não foi prudente, seria o seguro da parte motorizada quem pagaria as custas hospitalares da menina, caso tivesse sobrevivido.
Colocar no mesmo patamar de responsabilidade à luz das regras do Código da Estrada uma criança ou um idoso, com um veículo motorizado, em caso de atropelamento, é além de injusto, muito atroz. O que as associações de ciclistas na realidade pretendem é a introdução desse Princípio da Responsabilidade Objetiva de forma mais clara e explícita na legislação Portuguesa. Esta forma de proceder vai aliás de encontro à aplicação da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho: “Os danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas, que constituem habitualmente a parte mais vulnerável num acidente, deverão ser cobertos pelo seguro obrigatório do veículo envolvido no acidente caso tenham direito a indemnização de acordo com o direito civil nacional” e do próprio dever de prudência já consagrado no atual Código da Estrada.”
artigo publicado em pedais.pt
^^y^^…a ser verdade – e não tenho razões para não acreditar – é lamentável o que a colega jornalista da Lusa fez! ela fez um mau serviço, induzindo os vários órgãos de informação em erro! um erro gravíssimo, pois trata-se da agência lusa – órgão do Estado – e que envergonha a CLASSE. Como jornalista até sinto alguma vergonha!!! Ela merece ser chamada à atenção, responsabilizada e como tal despedida, pois não dignifica a profissão e não respeita o Código Deontológico, se é que o conhece!!! isto é para não ir mais longe…Se existia algum propósito com a difusão de um ‘take’ assim, ele foi conseguido, de certa forma! enfim, não quero alongar-me mais sobre este lamentável ‘episódio’, que reflecte na perfeição o actual estado do jornalismo português!!!^^y^^
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