Partir para um passeio de fim-de-semana, entre amigos e bicicletas, é sempre revigorante. O desafio veio implacável: “Baiona?” Bai tu!!!, foi o que me apeteceu responder ao Ricardo, mas é claro que aceitei o desafio. Não era apenas a desculpa das tormentas deste Inverno, eu andava preguiçoso. Tudo o que eu precisava era de um sábado como aquele, por poder reacender o fogo das longas pedaladas, por fazer sol, por estar em boa companhia, por tudo e por nada e não apenas por ser mais um sábado.
No dia B, bê de Baiona, e de brevet à nossa moda, o esquema foi acordar cedo e sair sob um agradável céu azul ao encontro dos habituais companheiros de aventura, amizades renovadas a cada encontro, para pedalar, vadiar, conversar, pensar na morte da bezerra, esquecer os problemas, respirar novos ares e aproveitar da vida. O objectivo era chegar à bela, medieval e turística vila galega, dar uns olés às chicas e fazer meia volta. Não havia horas para nada, embora eu tivesse pretensões de chegar a casa no mesmo dia.
Começamos a ritmo de passeio. Pedalar 300 km de uma assentada exige moderação no ímpeto, primeiro porque não me sentia na minha melhor das formas e depois porque estávamos por nossa conta e risco. Acontece que a manhã estava fresca e a estrada porfia, é contagiante e abre o apetite ciclístico. Em Fão fez-se o pit-stop da praxe para deglutir as típicas doces clarinhas na Fãozence. O ar estava puro, cada vez mais morno, e então todos os possíveis estímulos começaram a inspirar, de forma inapelável, as nossas pernas. Ah, nada como uma corridinha de bicicletas! Passamos Viana do Castelo mal tinha começado o passeio, propriamente dito.
Chegados a Caminha, as esperanças de encontrarmos o ferry a postos para que nos fizesse o frete e nos deixasse fresquinhos na outra banda desvaneceram-se, e, assim, somaram-se mais de uma vintena de quilómetros na voltinha por Vila Nova de Cerveira, onde devoramos da travessa um completo e económico menu do dia. Atravessada a ponte internacional, foi com alguma boa vontade que pedalamos umas subidas brandinhas até reencontrar o oceano depois de passar A Guarda.
Os ritmos já eram diferentes. Ensaiamos pedalar juntos sem que um acabasse acelerando demais e comprometendo o desempenho do outro, mas, sinceramente, isso não deu lá muito resultado, e assim se aproveitou cada paragem para se admirar a paisagem. Pedalamos nos troços de ciclovia que a longa Avenida Brasil (PO552) oferece. “Voamos” como um bando de aves à beira-mar até avistarmos as ilhas Cíes. Um curto momento de relaxe para reposicionamento estratégico, algumas fotografias de ocasião e, só então, o mini pelotão fez a sua entrada triunfal em Baiona, mesmo a tempo do lanche.
As muralhas da fortaleza, o Castelo de Montereal, a marina e os barcos, as pessoas que vagueavam a pé, de bicicleta, até os trechos urbanos apinhados de automóveis, nos fizeram sentir cumprido o nosso objectivo, mas só por uns minutos pois não tardaria teríamos de encher de novo as nossas garrafinhas vazias e completar inversamente o percurso até ali percorrido.
Com uma centena e meia de quilómetros numa perna, até chegar a casa faltava ainda acumular outro tanto na outra. As minhas previsões de chegada ao destino haviam sido ultrapassadas, e há muito que as minhas pretensões de regresso no próprio dia estavam postas de lado. Se a beleza do cicloturismo é a de viajar, a sós ou com companheiros de pedalada, que também sonham, a do ciclismo é desafiar os nossos limites, testar a forma física e mental. É dar o nosso melhor. Apertamos o ritmo, seguindo maravilhados com o pôr-do-sol no canto do olho, vencendo a distância e algum cansaço para minimizar o atraso.
Estes extenuados ciclistas precisavam agora de encarar todo o caminho de volta antes do desejado encontro com o chuveiro. Se os primeiros quilómetros foram cumpridos num ritmo estonteante, aos poucos, entre o sossegado e o sonolento, simplesmente girávamos as pernas soltas e doridas, pondo a conversa em dia e preparando-nos para o que estava por vir, um prato de sopa. Ah, as pernas em frangalhos, a escuridão, a batalha contra o sono, a escuridão, mais histórias e conversas à toa, as estrelas no céu, o latido dos cães, os batimentos cardíacos, um breve descanso, hidratação, nada mais que fazer senão pedalar. De uma forma ou de outra, a malta sobrevive e chega a casa com aquela sensação boa que só sabe quem fez. E como toda história chega ao fim, os amigos se despedem e voltam para casa com suas medalhas e lembranças. É quando começa a contagem regressiva para a próxima aventura.
Na foto de grupo, junto à marina de Baiona, os granda malucos das máquinas voadoras: o Vitor, o Jacinto, eu, o Ricardo e o Rodrigo. Podem ver aqui no link o percurso inteirinho do nosso “bai e bolta a Baiona”, e cagandabolta!!!
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