Espreito, radiante, o dia soalheiro pela janela da sala. Sinto que a sua energia me fará bem. Os dias curtos sempre me deixam letárgico. A escuridão reduz o meu humor e afrouxa a minha vontade de sair, só por sair, a pedalar, a aventurar-me nas noites molhadas que constrangem. Com ânimo, dou uma olhadela ao retrato da minha mãe. Espero pacientemente por dias melhores, para sair da palidez do inverno e deste aperto, que me mói.
Cá fora brilha um sol, ainda fraco demais para tirar o frio do meu corpo, trémulo. Circulo pelo bairro, edifícios de tijolo cozido, insensíveis e indolentes que me rodeiam. Sobre a relva paira uma neblina, uma almofada delicada que me embala o movimento. Não resisto ao resplendor e acomodo a bicicleta imóvel à árvore, desfolhada, incorporando o aço na luz radiante do dia, para a fotografia.
Ao pedalar bem cedo, para o trabalho ou outro sítio qualquer, sinto o mundo exterior, a brisa matinal que me liberta da asfixia das quatro paredes. O ar gelado que chicoteia o meu rosto, flui pelas narinas e insufla os pulmões de vida. Um prenúncio que melhores dias virão. Faz-me acreditar que sim. Morde-me a pele, toca-me os dedos, dá ritmo às rodas que rolam debaixo de mim. Ao arredondar uma curva, revigorado, o meu humor começa a nivelar.