“a fadiga é o melhor travesseiro”

Manhã ensolarada e inspiradora. Cabelos ao vento. Pedalava eu a minha Pinnarello estrada acima, só com a panorâmica das montanhas, quando olho para baixo e percebo que a geringonça do GêPêéSse não estava no guiador. Instintivamente estico o braço e procuro. Procuro o telemóvel na esperança que a voltinha estivesse sendo registada na aplicação Strava, mas…

“Ora bolas, o bolso está vazio!”… E agora, assim não tenho dados da pedalada para partilhar!”.

A princípio fiquei um bocado chateado, mas continuei, conformado.

Pedalo até à aldeia mais próxima. Decido parar para um cafezinho até que, perante o cenário envolvente, encosto a bicicleta a uma árvore. Idealizo a fotografia que dali, com aquela magnífica paisagem em pano de fundo, a bicicleta ficaria mesmo bem, mas…

“Oh pá, cum carago. Não é que me esqueci que me tinha esquecido do telemóvel!”

Mais tarde, de novo no selim, durante o regresso a casa, medito sobre a dependência que temos das novas tecnologias. Assim, sem as geringonças electrónicas não teria um único Pê éRre conquistado, não teria acumulado nada nem receberia “kudos” dessa pedalada fabulosa. Não poderia analisar com calma os dados do treino. Não Iria partilhar uma única foto dos belos locais por onde havia passado. É como se o meu passeio de bicla nunca tivesse acontecido!…

É nesses momentos de “cabeça-de-vento”, até porque nem comi muito queijo, que o ciclista passa por uma espécie de crise existencial.

“E agora, como vou contar à Internet que fui dar um passeio de bicicleta, épico, verdadeiro empeno com três dígitos e megas de acumulado?!”.

Angustiado, a mente derrapa: “Um gajo senta-se num assento desconfortável, gira as pernas por algumas horas e depois volta para onde tudo começou. Quem precisa disso? Eu até nem gosto muito de pedalar!…” :/

Sinto-me sacudido e não é pelo mau piso da estrada. Uma voz doce, cada vez mais pertinho, cada vez mais insistente, chama por mim e me sugere: “E se parasses de rodar as pernas e me dar pontapés?”

Gradualmente, abro os olhos remelentos, espreito em redor e não encontro a bicicleta. Caio na realidade e rio para mim mesmo. Então não é que tudo não passou de um sonho! Algures, nos idos anos oitenta, eu, vinte verdes aninhos, solto, cabelos ao vento, escalando a serra na minha bamBina Pinnarello!

Bem, toda esta reconstituição dramática não se trata dos dados, mas da própria paixão. Que o que realmente importa é pedalar. Nos sentirmos vivos, livres de dispositivos, deixar que a bicicleta ganhe asas e nos embale, pois ela se tornará parte do nosso corpo.

Ok, eu gravo todos os meus passeios, pedaladas de fim-de-semana, os comutes pré e pós-laborais. Sempre que dá, enquadro a bicicleta e fotografo-a, em locais bonitos da cidade, do mar e das montanhas. É quase egoísmo da minha parte guardar só para mim mesmo, vai daí partilho para quem me segue, as voltas, quilometragens e coisas assim, mas aprendi que desligar e me soltar é o melhor.

Este postal só poderia ser melhorado com um desenho, pois nesse meu devaneio, de um sonho tornado realidade, não tinha o telemóvel para tirar uma foto. Mas como não tenho jeito para desenhar, aqui vai…

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About paulofski

Na bicicleta. Aquilo que hoje é a minha realidade e um benefício extraordinário, eu só aprendi aos 6 anos, para deixar aos 18 e voltar a ela para me aventurar aos 40. Aos poucos fui conquistando a afeição das amigas do ambiente e o resto, bem, o resto é paisagem e absorver todo o prazer que as minhas bicicletas me têm proporcionado.
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apenas pedalar ao nosso ritmo.