No passado mês de Junho, mês de festas populares, à passagem pelo Jardim do Passeio Alegre no meu habitual percurso pós-laboral, fui agradavelmente surpreendido pela animação do Concerto do Coro da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto, do “Projecto Musica no Coreto”. Presentes nos mais emblemáticos jardins da cidade, os coretos estão há muito esquecidos pela população. “Nascidos” num tempo em que se vivia a época do Romantismo, o Porto conserva ainda vários coretos, pequenos palcos de formato circular ou octagonal, especialmente criados como espaços comunitários de lazer, onde os portuenses podiam conviver e ter acesso à cultura.

Jardim do Passeio Alegre
O Coreto do Jardim do Passeio Alegre, foi o primeiro coreto a ser construído no Séc. XX, em 1902. Estrutura de ferro “plantada” no centro de um jardim romântico oitocentista à beira-rio. Passeio Alegre de seu nome, jardim de grandes dimensões com uma vasta colecção de espécies arbóreas raras, assim como plantas ornamentais, foi apetrechado com um coreto, equipamento muito em voga na época áurea do Romantismo. A poucos metros das praias, a Foz do Douro tinha mais animação. Em dias de festa, sobretudo na época balnear, o espaço era frequentado pela nova burguesia, pela comunidade inglesa residente no Porto, que ia a banhos e assim podiam assistir a actuações musicais de bandas filarmónicas.

Jardim de S. Lázaro
Em 1833, D. Pedro IV ordena construir o primeiro jardim público do Porto, dedicando-o às mulheres da Invicta para, de alguma forma, as compensar pelas duras provações enfrentadas durante o Cerco do Porto. Nos meados do século XVIII era apenas um campo nos arrabaldes da cidade, onde existia um hospital de lázaros (leprosos) cujo santo padroeiro, S. Lázaro, deu o nome a esta zona da cidade. Oficialmente, Jardim Marques de Oliveira, permanece como um típico jardim romântico. A sua localização central, envolvido por um gradeamento com quatro portões e rodeado por edificios de interesse histórico, é nos dias de hoje um dos jardins mais frequentados da cidade. O Coreto do Jardim de S. Lazaro, datado de 1869, provavelmente o coreto mais antigo da cidade, apenas foi oficialmente inaugurado em 1873.

Jardim da Arca d’Água
Encosto agora a bicicleta no Coreto da Arca d’Água. Situado na Praça 9 de Abril, o Jardim da Arca d’Água foi aberto ao público em 1928, devendo o seu nome aos reservatórios de águas de Paranhos ali existentes, e que até aos finais do século XIX alimentavam as fontes e chafarizes da cidade. Sendo um dos jardins mais aprazíveis do Porto, destacam-se o lago e um conjunto de frondosas magnólias. O mais recente dos coretos da cidade, datado de 1929, é todo ele construído em betão armado e apresenta as características da Arte Nova, muito em voga na época. Mas não só de música dão os coretos palco. Em algumas ocasiões foram tribunas para solenidades festivas ou momentos de intervenção política e social. Facto curioso ocorrido em 1866, muito antes de existir o jardim e o coreto, ali se enfrentaram num duelo de espada os escritores Antero de Quental e Ramalho Ortigão, saindo este último ferido num braço.

Jardim da Cordoaria
O Coreto do Jardim João Chagas, ou da Cordoaria, como é popularmente conhecido, está bem no centro da movida portuense. Palco de uma excelente acústica, é dos coretos mais utilizados actualmente. Localizado entre o casario do Campo Mártires da Pátria e a linha do eléctrico, o bulício das esplanadas, dos copos de cerveja e da malta mais animada, não lhe são nada estranhos. Do lado mais tranquilo abre-se a famosíssima avenida dos plátanos, gigantes exemplares cujos troncos ficaram deformados pela moléstia. Conhecido na idade média como o Campo do Olival, a sua designação popular deveu-se à actividade que os cordoeiros ali executaram durante 200 anos. O processo de ajardinamento do espaço tomou forma a partir de 1865, tendo sofrido várias remodelações ao longo dos anos, sobretudo na sequência da devastação provocada pelo ciclone de 1941, quando foi replantado. O Jardim da Cordoaria é caracterizado por um lago e diversas estátuas que lhe conferem o tradicional ambiente romântico. Algumas espécies arbóreas raras deram-lhe em tempos o “título” de jardim botânico. Tendo sido controversa a última intervenção, está prevista para breve nova reabilitação geral… diz-se!

Jardim do Marquês
Antes de se denominar Praça do Marquês de Pombal (1882), o local era conhecido como Largo da Aguardente, por ali existirem alambiques de aguardente e, posteriormente, um mercado com a mesma designação. Localizado num dos pontos mais altos do burgo, a 150 metros de altitude, foi local estratégico de defesa da cidade, tanto no tempo das invasões francesas como durante o Cerco do Porto. Facto curioso, a existência de uma praça de touros nesse local (1870), que, sem o sucesso pretendido junto dos tripeiros, não durou muito tempo a desaparecer e acabou queimada. Já com a configuração actual, em 1898 uma frondosa alameda foi ajardinada e rodeada de plátanos. No ano seguinte a praça recebeu o seu coreto tradicional oitocentista, em ferro fundido, que foi oferta dos habitantes da zona, onde nele podiam assistir a concertos de música e outras festas. Ao longo dos tempos, o jardim foi tendo alguns acréscimos, como é o caso do quiosque Art Déco e, em 1948, da biblioteca popular Pedro Ivo. Das mais importantes intervenções, registo para a construção da Estação do Metro do Porto, em 2006, e a posterior requalificação do jardim com a fonte redonda que durante décadas iluminou, literalmente, a Praça D. João I.

Jardins do Palácio de Cristal
Nos jardins do Palácio de Cristal, o requintado Teatro-Coreto, popularmente conhecido como a Concha Acústica, embeleza a Avenida das Tílias. Construído em alvenaria, com decorações em bronze provenientes da fundição francesa do Val d’Osne, destaca-se a lira ao cimo do palco e, a ladear, duas esculturas de figuras femininas, uma negra e uma egípcia. Uma placa faz a alusão à ‘Fundição de Massarelos’, onde se produziu o restante bronze da decoração. O característico formato abaulado do palco, permite a amplificação da emissão de sons ao ar livre. A inauguração do ‘teatro-coreto’, como lhe chamava ‘O Primeiro de Janeiro’, foi feita em 10 de Junho de 1886. Para além da actuação de bandas filarmónicas, a burguesia oitocentista pode ali assistir a peças de teatro e recitais de índole cultural. Na foto ainda se pode admirar a intervenção da artista portuense RAFI die Erste (Teresa Rafael) no âmbito do “Natal no Porto com Muita Música”, onde a Concha Acústica foi o palco principal.
Mas não é só o Porto que tem belíssimos coretos. Poderia pôr os pedais ao caminho em romaria pelos arredores e visitar o fascinante Coreto de Canelas, passar pelos belíssimos coretos de Matosinhos, o do Jardim Basílio Teles e o da Igreja do Bom Jesus, ou até ir jantar ao Coreto da Maia, que agora é um restaurante. Mas Sua Alteza foi mais longe, à Póvoa de Varzim, e pousou o pedal na escadaria do deslumbrante Coreto da Praça do Almada.

Póvoa de Varzim
Inaugurado em 1905, dizem as crónicas com a actuação da Banda Povoense, o palco deste icónico coreto tornou-se no coração dinamizador da povoação, com actuações musicais, reuniões e discussões de índole variada. Edificado em dois níveis, o piso térreo em alvenaria é ocupado por instalações sanitárias, onde o acesso ao palco se faz por uma imponente escadaria. De gosto marcadamente romântico, planta hexagonal, segue uma tipologia Arte Nova, comum a algumas estruturas semelhantes, onde a harmoniosa cobertura em tom escuro e cercadura rendilhada o torna num dos mais belos coretos que conheço.


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