Eu e muitos amigos ciclistas, nas nossas conversas, comentamos sobre a nossa relação com os outros utentes da estrada, a tal “velha hostilidade” do automobilista para com o ciclista. As nossas experiências ajudam a mudar a percepção e conduta de cada um, ajudando-nos a criar um contexto mais amplo no qual podemos moldar o nosso comportamento. As pessoas (peões ou pedestres, como quiserem chamar) não utilizam as estradas da mesma maneira que os veículos, porém são transeuntes, são também parte do trânsito e do fluxo de tráfego. Como o número de ciclistas tem aumentado, também tem o atrito entre ciclistas e pessoas que transitam a pé. Pelo que noto, a maior parte da animosidade provem da parte dos transeuntes. Alguns deles temem os ciclistas devido ao facto destes surgirem rápidos e silenciosos, nos passeios, nas ciclovias partilhadas, até mesmo quando utilizam as passadeiras ou as atravessam com o semáforo de peões no vermelho.
Porém, os ciclistas temem a conduta dos transeuntes em maior grau. O seu receio resulta do risco de queda consequente, do comportamento tipo aleatório de certas pessoas que caminham à sua frente, por exemplo, invadindo as ciclovias, sobretudo as que são exclusivas do ciclista. Também do comportamento arriscado de quem atravessa a rua fora dos locais adequados, sem olhar para onde estão indo, com resultado e incómodo de possíveis acidentes. A maioria dos ciclistas certamente já experimentou ter de se desviar de alguém para o meio do tráfego, ou travar de forma insegura para evitar colidir com uma pessoa que, inesperadamente, entrou no seu caminho. Felizmente sem graves consequências e em virtude de descuido alheio de quem se atravessou à minha frente, já experimentei a aspereza do asfalto. Independentemente de ser o ciclista ou o transeunte o culpado destas situações, podem ocorrer lesões, dolorosas mas evitáveis. As bicicletas são normalmente consideradas inofensivas, todavia é sabido que, num acidente deste género, o povo imediatamente protesta contra a imprudência dos ciclistas, mesmo que seja a parte mais lesada. Estes incidentes com transeuntes alimentam a chama que incendeia a antipatia sobre a generalidade dos ciclistas. Nesses momentos, voltam a aparecer dois grupos distintos, como são os automobilistas e os ciclistas, mas a principal diferença é que enquanto nem todos os ciclistas são automobilistas, todos os ciclistas são pessoas, são transeuntes. Até se poderia pensar que esse facto ajudaria a reduzir o atrito entre todos, mas a atenção, o respeito mútuo, da regras e do espaço de cada um, provavelmente tornariam mais fácil a vida de todos.
Apesar de eu passar um bom bocado no selim da bicicleta, eu também gasto muito tempo sentado a olhar para um monitor de computador, o que não é nada bom para a saúde. Sendo desejável manter alguma actividade física, é importante fazer um intervalo, levantar o rabo da cadeira, nem que seja para arejar a cabeça. E o caminho mais rápido para incorporar movimento à rotina é dar às pernas numa pequena caminhada à hora do almoço. Então, agora como transeunte pela pedonal Rua de Cedofeita, tenho a oportunidade perfeita para um estudozinho: “como ser ciclista na pele de transeunte”. Para começar vi lá coisas de ciclistas que também me fazem espécie! Depois, não deambulei de um lado para o outro de telemóvel nas mãos, a consultar notificações no FB ou a fazer selfies. Quero aproveitar a escassa meia hora que tenho para relaxar e observar o mundo ao meu redor. Quem quiser falar comigo pode esperar. Também me abstenho de colar os fones ao ouvido para ouvir música. Se eu estou numa rua movimentada gosto de ouvir os meus próprios pensamentos. Mais à frente quando chegar ao cruzamento e queira atravessar a rua, paro e espero. Não a atravesso sem antes olhar para os dois lados e ter em atenção todos os veículos, carros, motas ou bicicletas, que circulam. Mesmo quando vou atravessar numa passadeira não piso fora do passeio sem ter certeza que o posso fazer em segurança. Já sabemos que há automobilistas que não cedem passagem e é necessário redobrar cuidados para não correr nenhum risco. Atenção, também há ciclistas que surgem rapidamente e nem sempre podem parar a tempo o seu movimento. Facilitar-lhes a vida, esperar um pouqinho, para que mantenham o equilíbrio e passem, não custa nada.
Já nas imediações de casa, se vou fazer uma corridinha ou simplesmente esticar as pernas para tomar um cafezinho, procuro ir sempre pelo passeio. Ao contrário de muita malta vizinha, evito incomodar ou colocar um ciclista em perigo não pisando a pista ciclável. Tornando-me ciente dos meus arredores, do espaço disponível e modo de utilização, não vale a pena colocar-me e colocar terceiros em risco, entrando na via de circulação rápida (rua ou ciclovia) e confiando em demasia na sorte. Em suma, como um ciclista que pedala, ávido de ir e voltar, eu transito a pé com a mesma atenção e cuidado. Espero que as pessoas, transeuntes e ciclistas, percebam que têm mais em comum do que diferenças. Talvez isso vá forjar um vínculo baseado no respeito mútuo e compreensão, e talvez ele acabará por resultar numa espécie de aliança cujo objectivo é promover a segurança mútua. Isso não vai acontecer de um dia para o outro, mas sempre podemos avançar dando um passo de cada vez.