Neste texto e no próximo irei abordar o papel das crianças na cidade. Hoje vou escrever sobre o uso da rua pelas crianças como espaço público de lazer e no próximo sábado a respeito das crianças e o caminho para a escola.
Uma das “classes de usuários” da rua que mais sofreu com a obsessão pela fluidez do tráfego a qualquer custo (uma das várias obsessões que compõem o chamado rodoviarismo) foram as crianças.

Figura 1 – Uma imagem cada vez mais incomum. Ou não. Fonte: http://goo.gl/pz77r4
A rua é o verdadeiro espaço público. É o espaço público por excelência. Durante toda a história da humanidade a rua, conjugada com as praças e parques, serviu e ainda serve de palco para revoluções, manifestações e passeatas. E, claro, para o tráfego. Tais eventos são sempre grandiosos e acabam por invariavelmente tomar à força o direito temporário pelo uso da rua. Esses eventos têm um início e um fim, tem um propósito específico, são esporádicos e “atrapalham bastante” durante um determinado período, porém não chegam a roubar a rua do tráfego, basicamente emprestam-na. Mas há outro evento que perdeu o direito à rua e talvez nunca mais o recupere: o ato de brincar na rua.
Eu ainda brinquei na rua. Joguei bola, taco, andei de bicicleta (como forma de lazer), brinquei de carrinho com os vizinhos e amigos. Hoje em dia a rua é perigosa, é lugar de pessoas apressadas, um lugar de passagem e não de paragem.
Mas qual o impacto na formação de um adulto a privação do uso da rua pelas crianças1? Tem algum impacto? Devemos mesmo nos preocupar com isso2,3? Afinal hoje em dia já somos todos ricos e as crianças vivem cada vez mais em mundos virtuais, como os adultos. Com 7 anos já têm iphone, ipad e motorista particular (os pais). Desde pequenas essa obrigação de “diversão controlada” é-lhes incutida. Elas brincam em espaços privados: em casa, na casa do amigo, no clube, na escola ou na Internet, um “espaço” que os pais podem facilmente controlar.
Uma mãe que deixa o filho brincar na rua com o amigo ou com o vizinho, nos dias de hoje, só pode ser louca! A rua é para os carros caramba!
Mas devemos ser racionais. Qualquer um que tirou a carta de condução/carteira de motorista percebe que há ruas e ruas. É claro que é inseguro para uma criança brincar numa avenida com duas faixas, corredores de ônibus/autocarro e velocidade máxima de 60km/h. Eu não estou questionando isso. Mas aquela obsessão que falei no início tornou muitas ruas em lugares inóspitos! Ruas residenciais que antes eram calmas se tornaram lugares perigosos onde o motorista acha que tem o direito supremo de passar. Que egoísta! Quando ele era criança de certeza que brincou na rua.

Figura 2 – O que a velocidade faz com as ruas. Fonte: http://goo.gl/ETwXjA
No entanto as pessoas estão a mudar. Não foram todos que caíram no engodo da fluidez de tráfego e muitos estão agora a perceber que existem coisas mais importantes que isso. A cidade de Freiburg4, Alemanha tem uma política que reconhece o real papel da rua e sua importância para as crianças. Nessa cidade é muito famoso o bairro de Vauban5,6 pelo seu modo peculiar de ver o automóvel. As zonas 307 são um conjunto de soluções de acalmia de tráfego (que irei explicar num próximo texto) que buscam também resgatar a rua como espaço de lazer.

Figura 3 – Vauban, Freiburg. Fonte: http://goo.gl/ZxTfoj
Para finalizar recomendo uma vista de olhos neste vídeo e link (http://goo.gl/PQiqHm) que mostra crianças holandesas a lutar contra o tráfego, reclamando a rua de volta… em 1972(!!!!) Acho que temos muito que aprender com eles.
https://www.youtube.com/watch?v=YY6PQAI4TZE#t=212
Retomem as ruas!
Referências:
2 – http://www.dm.com.br/texto/155899-que-falta-faz-aquelas-brincadeiras-de-rua
3 – http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2902135
4 – http://www.freiburg.de/pb/,Lde/231709.html
5 – http://en.wikipedia.org/wiki/Vauban,_Freiburg
6 – http://www.apocalipsemotorizado.net/2010/06/02/vauban-e-o-uso-racional-do-automovel/
Republicou isso em Matemática em Sobrale comentado:
A rua é das crianças, a rua é das pessoas e a mobilidade nas ruas depende, para ser segura, voltar a ser dominada pela bicicleta que é a forma como o ser humano pode ter mobilidade racional nas cidades e no campo. Na luta por uma redefinição da mobilidade urbana devolvida aos seres humanos sem a intrusividade molesta dos carros.
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