Ontem saltei da cama com o telefonema despertador e desafiador do Rui. –“… vou dar um salto a Paços de Ferreira, queres vir?”… Hããã, onde!!!… “Daqui a meia-hora estou à tua porta…” e desligou sem que me deixasse pensar na resposta… Estremunhado, lá fui molhar as fuças, comer algo e vestir a minha armadura ciclista. Dei um beijo à minha querida e principal incentivadora, a quem prometi voltar vivo, e encarei o breu gelado da manhã. À porta de casa ainda esperei uns minutos na companhia de um curioso ruminante.
Lá fomos nós dois pedalar com a cara ao vento. O trajecto escolhido seria o mais curto mas as opções também não abundam. Depois de deixarmos o cinturão urbano da Circunvalação, na Areosa, rumamos a norte, na direcção de Santo Tirso. Ali mesmo, sendo uma manhã calminha de feriado nacional, encontramos alguns ciclistas, bastante trânsito, carros mal estacionados e pessoas que atravessavam as ruas à toa. Após a nossa passagem por Alfena, encontramos a pacatez da vida rural acossada por alguns pacóvios dos tunings. Na Água Longa desviamos à direita para nos embrenharmos na Agrela, serpenteando serra acima até Paços.
O tempo estava meio esquisito e a ameaça de chuva pairou sempre por cima das nossas cabeças. Na escalada inspirei fundo o ar puro da serra e, sem sobressaltos, passamos por lugares bem tranquilos. Não fosse o manto cinzento de nuvens no horizonte poderia ter apreciado melhor as belas paisagens a perder de vista. Quase no alto da serra, pouco íngreme mas infinitamente longa para as minhas pernas, parei de pedalar com a desculpa esfarrapada de tirar uma fotografia. É verdade que havia da minha parte a vontade de aproveitar todos os minutos de descanso possíveis, mas não poderia arrefecer o corpo. Tinha de encarar o resto da subida.
Mas o motivo real da viagem era uma visita rápida à casa dos sogros do Rui. Chegados ao destino fui convidado a entrar numa cozinha acolhedora de um casal de velhotes, os donos da casa. Um copo de água, duas bolachas Maria e o calor emanado do fogão a lenha foi o que aceitei de bom grado. E meus amigos… se deu vontade de ficar por ali mesmo, sentado, foi o apelo perfumado da comida caseira. Mas tínhamos de regressar ao Porto. Saímos então daquele confortável calor familiar, voltando para a aspereza fria da estrada. E essa é uma das vantagens de não pedalar sozinho, a gente acaba sempre por proteger a carcaça do vento na descida, pedalando em frente um do outro.
Que ninguém julgue que pedalar seja sinónimo de sofrimento. Nunca é e nunca será. É puro prazer e uma sensação maravilhosa de conquistar o mundo com as nossas próprias pernas. Mesmo nos momentos mais difíceis, temos a plena consciência de que estar ali, sentindo e apreciando aquilo tudo, era absolutamente melhor do que estar acomodado a num estofo, enfiado numa redoma de vidro ou mesmo uma limousine para nos levar pelos mesmos lugares. Nada seria melhor do que estar ali, ter ido e ter voltado do mesmo jeito, absolutamente livres, satisfeitos e com a missão cumprida. Se houve um pouco de desgaste físico que é que isso importa. Para a frente é que se pedala.
O Rui está a praticar o “até onde consigo encostar-me ao passeio sem bater nele com o pedal”? Tem a estrada toda livre mas leva o “circular o mais perto possível de bermas e passeios” ao extremo de se tornar invisível, reduzir o seu espaço vital de segurança e aumentar o risco de ter um furo. Porquê, porquê?….
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Vou-lhe perguntar Ana, mas penso que responderia simplesmente que pratica o “manter sempre uma margem adequada de segurança”.
Em estrada nacional, e não só, geralmente pedalo numa margem entre 30 a 60cm de distância da linha divisória e dos passeios. Para além de me sentir mais seguro, facilito as ultrapassagens. Assim que pressinto um veículo que se aproxima vindo por trás, gradualmente vou me encostando à berma ou ao passeio até estabelecer uma margem de segurança com a qual me sinta à vontade e o automobilista possa ultrapassar-me devidamente. Após a ultrapassagem volto a afastar-me da berma ou do passeio e retomo a minha margem de segurança, aquela que considero a mais apropriada.
Nas estradas o nosso comportamento e postura tende sempre a ser o mais defensivo. Nunca sabemos quem surge por trás, se se trata de um condutor consciente ou agressivo. Depois o discernimento do ciclista perante a estrada é condicionado por factores tão variados como o tráfego, o vento, o declive, o estado do pavimento. Nas estradas como nas ruas, e até nas chamadas ciclovias, todos os cuidados são poucos. A prática e a experiência molda a nossa habilidade e a imprevisibilidade é algo com que sempre estamos a contar.
Cumprimentos.
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É verdade, Paulo, a margem de segurança é um conceito dinâmico, varia continuamente com as condições da estrada, tráfego e demais meio envolvente. O meu comentário visava o instante captado pela foto. Numa estrada dessas, sem tráfego, não há necessidade de reduzir a nossa “bolha” de segurança e conforto para facilitar a ultrapassagem, porque é fácil usar, mesmo que só parcialmente, a outra via para ultrapassar. Ao circular logo à partida no limite do espaço disponível, incentiva os motoristas a ultrapassarem dentro da mesma via e muitas vezes sem reduzir adequadamente a velocidade. A cortesia é a chave da eficiência do trânsito, mas a cortesia não é um valor máximo absoluto, não devemos abdicar da nossa segurança em nome da conveniência de terceiros, e a nossa conveniência é pelo menos tão importante quanto a conveniência dos outros, pelo que só faz sentido comprometê-la quando faz uma diferença significativa para os outros e pouco relevante para nós.
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