Neste postal multi-ilustrado da Marginal tripeira, a via mais ciclo-concorrida da Ribeira até à Foz, Velho Lau faz uma análise bem documentada e testemunhada das cíclicas dificuldades vividas pelos ciclistas: urbanos, licrados e turistas; equívocos e incoerências “num dos percursos mais planos e mais bonitos do Porto”.
COMBOIOS DE BICICLETAS NA MARGINAL (GALERIA E TESTEMUNHOS)
Quem pedala somos nós, os portuenses que andam de bicicleta para cá e para lá nos afazeres diários, nas idas para o trabalho ou para a escola, a treinar ou a passear. E também os turistas, que andam muitas vezes aos pares, ou em bandos, não raramente com um guia acelerado e sorridente à frente. Há ainda um grupo cada vez maior, que são os peregrinos que fazem o Caminho da Costa, muitos de bicicleta, ainda mais a pé.[…]
Foi por assistir todos os dias aos pequenos conflitos e à organização do espaço improvisada por todos estes ciclistas e pelos peões, que ainda são maioria, seja em passeio, nos seus afazeres, à pesca, em passo de corrida, a beber uma mini num dos bares ao lado do Rio ou em peregrinação, que decidi ir para a Marginal tirar fotografias e escrever este postal. Depois, no Instagram (no meu e no da Velo Culture), pedi a opinião a algum pessoal amigo que também faz este percurso e cujos testemunhos podem ir lendo nos destaques destaque no postal.
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(para ler clicar em: https://veloculture.pt/2018/10/04/marginal/)
Aproveito a ocasião para depositar o meu testemunho, de quem pedala pela Marginal, a do Porto e a de Gaia, seja no modo licrado, sport racing commute, seja no modo casual, relaxado pós-laboral.
Pedalar pela cidade é, para mim, uma experiência agradável. Especialmente depois de picar o ponto, o commute no regresso a casa pela Marginal é três vezes mais saboroso. Sendo o triplo da distância que faço de manhã, o “passeio” junto ao rio, à beira-mar e pelo Parque da Cidade oferece-me vários benefícios. Num simples e demorado percurso a pedais, a nossa vida pode melhorar consideravelmente, pois enquanto o fazemos abstraímo-nos do dia-a-dia e as preocupações passam para segundo plano, ou tendem a não parecer tão relevantes. E se assim não for, há que fazer um esforço para que os obstáculos não perturbem este momento íntimo que é o regresso tranquilo a casa.
Já escrevinhei algures por aqui que diariamente pratico aquilo a que gosto de chamar pedalar no cardume, “car doom” em estrangeiro. Quase sempre prefiro praticar um ciclismo veicular do que pedalar nos passeios, pseudo ciclovias, ciclocoisas, o que o valha. A meu ver, para que a bicicleta seja eficiente na mobilidade urbana é necessário que a mesma seja considerada um veículo, com o ciclista na rodovia exigindo os seus direitos e cumprindo as suas obrigações, conforme prevê o Código de Estrada.
Eu próprio já tive ali alguns conflitos, quando o automobilista não tolera um ciclista ao seu lado, na rua, achando que o meu lugar seria no passeio, ou na tal ciclovia! Temos pena…
Uma vez exigidas as ciclovias, tornou-se muito fácil, e até cómodo, para quem administra as vias urbanas, tirar a bicicleta do seu espaço conquistado no trânsito como um veículo e colocá-la em cima de passeios, calçadas, trajectos quase sempre partilhados, nivelando a bicicleta nas mesmas condições de mobilidade dos peões e deixando as vias públicas exclusivamente para os veículos motorizados. Valha-nos que o legislador corrigiu o Código da Estrada, transformando, e bem, uma obrigação numa opção.
A bicicleta no passeio na ciclovia partilhada perde o respeito, a agilidade e a sua importância como um veículo eficiente na mobilidade urbana, transformando-se apenas numa opção de lazer, sujeitando-se ao direito dos peões em utilizar o seu espaço. Um exemplo típico acontece quando as ciclovias são tomadas por pessoas a caminhar, jovens de patins e até em bicicleta a ziguezaguear, animais de companhia, veículos estacionados. A ciclovia partilhada é um jeito elegante de expulsar o ciclista urbano da rua. Quem utiliza a bicicleta diariamente sabe que a ciclovia partilhada não é a melhor solução. Então o espeço entre os trilhos do electrico é que não é mesmo. Se alguma vez tiveram a experiência que é entalar um pneu num carril, então sabe do que estou a falar!
Claro que existem ciclovias onde há mais vantagens do que desvantagens, mas a meu ver, nas raras que existem não é justificação suficiente para a segregação das bicicletas. A demarcação de ciclo faixas, com uma largura mínima nos dois sentidos da pista, é um investimento de baixo custo e que permite a inserção da bicicleta no seu espaço natural, no trânsito, resultando daí um deslocamento mais rápido e com maior nível de segurança. Falar da segurança dos ciclistas, justificando a sua criação, a segregação dos ciclistas com a justificação para evitar que sejam atingidos por um automóvel, a mim não pega.
Começando então por falar da segurança dos ciclistas, visto ser esta a justificação que é mais apontada para a criação de via cicláveis, torna-se premente circular com cuidados mais que redobrados. Na maioria das vezes as ciclovias são usadas por pessoas que nem sequer andam de bicicleta. É fundamental que todos saibam compartilhar o espaço com precaução, velocidade moderada, e acima de tudo com uma atitude defensiva. Os acidentes com ciclistas que ocorrem com maior frequência acontecem nas ciclovias, nos passeios e vias compartilhadas, onde, à partida, os automóveis não entram.
Quando eu opto por aproveitar o caminho tranquilo e livre de uma via ciclável, no passeio ou no parque, eu sei que estou a entrar num espaço comum. Se modelo o meu comportamento, espero de todos o mesmo modo de atenção e cuidado. Dependendo quase sempre do momento, e claro que também da bicicleta que esteja a usar, eu gosto de ser livre de poder escolher onde circular, até pela minha segurança, e não é por acaso que às vezes me sinta melhor pedalar na rua, no meio do car doom. Nem que seja para chatear os carrodependentes!