textos de Marcos Paulo Schlickmann [15] Estacionamento gratuito. Ou “There is no free lunch”

O problema do estacionamento gratuito é mais visível em Portugal que no Brasil. No Brasil é pouco comum estacionamento gratuito nas ruas, lojas, shoppings e prédios de escritórios. E a fiscalização é forte. Porém em Portugal a fiscalização é muito branda, as multas são baixas e há uma perceção generalizada por parte da população de que sempre se encontra estacionamento gratuito em qualquer lado, mesmo que ilegal.

Figura 1 - O espaço público de uso privado pode ser utilizado para outros propósitos?  Fonte: http://vadebike.org/2013/08/zona-verde-parklet-vaga-viva/

Figura 1 – O espaço público de uso privado pode ser utilizado para outros propósitos?
Fonte: http://vadebike.org/2013/08/zona-verde-parklet-vaga-viva/

Milton Friedman ganhou o prémio Nobel de Economia de 1976. Personagem importante da Escola de Chicago, suas ideias liberais verdadeiramente moldaram as políticas económicas do final dos anos 80 e década de 90, para o bem e para o mal. Cabe a cada um julgar. No entanto é importante admitir que ele foi sem dúvida um grande economista.

Dentre suas ideias, uma frase “meio boba”, que já existia desde a década de 30, se tornou famosa quando ele a usou como título de um livro: “There’s no such thing as a free lunch1” Ou “Não existe almoço grátis.” Muitos hoje em dia ainda têm dificuldade em compreender a real complexidade desse simples e poderoso pensamento. Basicamente o que essa frase diz é: Não há nada grátis, sempre alguém está a pagar. Pode não ser você mas alguém está sempre a pagar.

Por exemplo: A escola pública. Você não vai pagar absolutamente nada para seu filho lá estudar, mas todos os contribuintes estão a pagar os professores, funcionários, instalações, salas de aula, etc., através dos impostos.

Como havia de se esperar, as políticas liberais de Friedman tiveram grande impacto nos governos de Thatcher, Pinochet e Reagan por exemplo. E em vários setores da economia também. Estranhamente ou não, nunca ninguém se perguntou: OK, não existe almoço grátis. Mas existe estacionamento grátis?

O processo de “deselitização” do automóvel, iniciado por Henry Ford com seu Ford T, foi um dos responsáveis por “esconder” os reais custos dessa solução de mobilidade que hoje em dia todos pagamos, usando ou não. Um desses custos escondidos foi o estacionamento. E essas decisões influenciaram fortemente os efeitos de urban sprawl2 (espalhamento urbano), que levaram à deslocalização da habitação, comércio e serviços para zonas na periferia, onde a terra é barata e há espaço para parques de estacionamento gigantescos. Se tornou cómodo sair da sua garagem e ir até o shopping do outro lado da cidade e estacionar numa outra garagem. A cidade se tornou um caminho e não um lugar para se estar.

Figura 2 - Uma cidade com lugares para se estar.  Fonte: http://goo.gl/QQhbx0

Figura 2 – Uma cidade com lugares para se estar.
Fonte: http://goo.gl/QQhbx0

O estacionamento privado (fora da rua) pode ou não ser gratuito. Cabe ao dono do empreendimento decidir. Mas não se iluda: Alguém vai pagar, direta ou indiretamente, pela construção, manutenção e operação (luzes, cancelas, sinalização, segurança) de toda a infraestrutura de estacionamento. Mas já o estacionamento público (na rua) deve sim ser pago.

O professor Donald Shoup3,4,5, que já referi no artigo anterior, mostra quais os benefícios para motoristas, pedestres, transportes públicos, serviços de emergência, comerciantes, etc. de se taxar corretamente o estacionamento na rua:

Stakeholder

Benefícios

Motoristas  – Menos tempo e combustível gastos à procura de um lugar;
Pedestres  – Possível melhoria do mobiliário e ambiente urbano com o dinheiro do estacionamento;- Menos estacionamento sobre passeios e calçadas.
Restodo tráfego  – Tráfego mais fluído;- Menos estacionamento em 2ª fila.
Ciclistas  – Tráfego mais fluído;- Menos estacionamento em 2ª fila e sobre ciclovias.
Transportespúblicos  – Tráfego mais fluído;- Menos estacionamento em 2ª fila, faixas bus e paragens/pontos de autocarro/ônibus.
Serviçosde emergência  – Tráfego mais fluído;- Menos estacionamento em 2ª fila.
Comerciantes  – Mais clientes devido a maior rotatividade dos lugares.
Meio ambiente  – Menos consumo de combustível,- Menos poluição.

Tabela 1 – Benefícios da taxação correta do estacionamento na rua

Os benefícios variam também de acordo com o valor taxado. Obviamente se taxarmos de mais ninguém vai ali estacionar e os comerciantes serão os mais prejudicados, se taxarmos de menos as pessoas vão deixar o carro às 8h e retirar às 18h, prejudicando também o comerciante (menor rotatividade de clientes) e quem realmente precisa estacionar. Com bons estudos de procura/demanda sem dúvida a melhor solução preço vs. tempo é encontrada.

Acho que todos já percebem agora que, mesmo que você não pague pelo lugar de estacionamento no shopping ou pelo estacionamento na rua, você e outros estão a pagar: no primeiro caso através das compras feitas nas lojas e no segundo caso através dos impostos. Porém existem outros custos, nomeadamente custos sociais, difíceis de monetizar (encontrar um valor em dinheiro equivalente) que a sociedade paga. Vejamos as fotos abaixo:

Figura 3 - Estacionamento em 2ª fila. Fonte: http://goo.gl/j5p6sc

Figura 3 – Estacionamento em 2ª fila.
Fonte: http://goo.gl/j5p6sc

Figura 4 - Estacionamento no passeio. Fonte: http://www.passeiolivre.org/

Figura 4 – Estacionamento no passeio. Fonte: http://www.passeiolivre.org/

Figura 5 – Estacionamento na “ciclovia”. Fonte: http://www.biclanoporto.org/?p=2629

A forma mais simples de estimar o custo dos constrangimentos acima é pela medição do aumento do tempo de viagem. Um carro numa calçada ou passeio, em 2ª fila, em lugar de deficiente ou numa ciclovia vai aumentar o tempo de viagem ou de procura de um lugar para os demais, pois a capacidade de escoamento da rua/ciclovia/passeio terá uma diminuição marginal. Atribuindo um valor ao tempo de viagem (Euros ou Reais por hora por exemplo) pode-se então estimar esse “custo social”. Porém tal estimação não reflete verdadeiramente o custo infligido sobre um idoso, um deficiente ou mesmo um motorista em termos de segurança rodoviária, desconforto, stress, perda de amenidade urbana, etc.

Para terminar deixo 4 pensamentos sobre estacionamento gratuito. Estou aberto a contestação:

1. Shopping centres (centros comerciais) e estacionamento: Em Portugal, a maioria dos shoppings disponibiliza “estacionamento gratuito”. Mas não se engane, tanto no cafezinho de 0,50€ quanto na televisão de 5.000€ está incluído parte do custo do estacionamento.

Agora eu afirmo: Num shopping você paga por todas as amenidades que nos casos português e brasileiro fazem grande diferença para o conforto do cliente quando comparado com o comércio de rua. O shopping é apelativo. Quando o cliente vai fazer compra no comércio tradicional de rua do centro da cidade, ele não encontra por exemplo: ar condicionado ou aquecimento, calçadas ou “caminhos” de qualidade, seguranças, banheiros/casas de banho, estacionamento gratuito e ilimitado, playground para crianças, bancos limpos e informação. No shopping ele encontra tudo isso. Um pouco desleal com o comércio tradicional.

Mas agora eu pergunto: Os preços no comércio tradicional acabam sempre por ser mais caros, não muito mas são. Como isso é possível? No shopping o comerciante tem que pagar uma renda/aluguer mais alto que inclui todas as amenidades referidas acima, mas mesmo assim vende produtos mais baratos. Quem paga essa diferença? Adivinha: o funcionário.

2. Shoppings e os não-motorizados: Se você, usuário de transporte público, ciclista ou pedestre/peão, faz compras num shopping que possua estacionamento gratuito, atenção! Você está a subsidiar o estacionamento das pessoas que vão de carro, enquanto você não recebe nenhum subsídio.

3. Prédios públicos e estacionamento: Nas universidades, hospitais, etc. mantidos pelo poder público, há invariavelmente estacionamento gratuito para alunos, professores, médicos, enfermeiros. Porém, quem vai de transporte público, a pé e bicicleta não recebe essa “benesse”, há então uma diferença de salários: quem vai de carro recebe mais salário do que quem não vai!

Somado a isso, todo serviço público é subsidiado, logo toda população, através dos impostos, está a pagar parte da viagem de automóvel dos alunos, professores… Um bocado injusto não é?

4. A direita conservadora e o estacionamento: A uma correlação forte entre o pessoal da direita conservadora e o uso do automóvel. Como geralmente a direita tem “horror” a tudo que é serviço público e, seguindo os ensinamentos do grande Milton Friedman e outros, acham que o melhor é privatizar tudo. Incluindo os transportes públicos que são invariavelmente subsidiados. Porém eles se esquecem que o transporte individual também é subsidiado, e o estacionamento gratuito é uma das várias formas de subsídio.

É o velho ditado do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”, comum nos apparatchiks tanto de esquerda quanto de direita. Privatizem o transporte público custe o que custar (solução a la Thatcher) mas não toquem no automóvel, ele é sagrado.

Referências: 

  1. http://www.amazon.com/Theres-Such-Thing-Free-Lunch/dp/0875483100
  2. http://en.wikipedia.org/wiki/Urban_sprawl
  3. http://www.streetfilms.org/dr-shoup-parking-guru/
  4. http://www.streetsblog.org/2007/12/21/donald-shoup-plays-with-parking-fees-and-matchbox-cars/
  5. http://www.uctc.net/papers/351.pdf

Sobre paulofski

Na bicicleta. Aquilo que hoje é a minha realidade e um benefício extraordinário, eu só aprendi aos 6 anos, para deixar aos 18 e voltar a ela para me aventurar aos 40. Aos poucos fui conquistando a afeição das amigas do ambiente e o resto, bem, o resto é paisagem e absorver todo o prazer que as minhas bicicletas me têm proporcionado.
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