
Diariamente, assim que é chegada a hora de encerrar o expediente, arrumo o kit do dia-a-dia na mala do selim, solto a bicicleta do aloquete, ligo o contador e entro em modo pós-laboral. Como é costume depois do trabalho, junto a útil pedalada de regresso ao lar ao agradável e alargado passeio pela cidade. É claro que se o clima não estiver assim tão agravável vou direitinho para casa, mas basta a chuva dar tréguas e o caminho a escolher será sempre por minha conta, o que significa não ter horas para chegar.

Pedalando pelas ruas da cidade reformulo a mobilidade simplificada do percurso trabalho-casa alargando horizontes. Desço ao Douro e, enquanto vou, vou pondo os pensamentos em ordem. Após alguns quilómetros embrenhado no meio do trânsito, a perspectiva de um período de “tempo solitário” agrada-me. Na base do “mais vale só…” vou sempre acompanhado. É importante, no entanto, distinguir aqui a palavra “solitário”. Em contraste com a pessoa sentada ao volante, só, dentro de um carro, engarrafada no pára-arranca urbano, aqui o ciclista solitário vai bem acompanhado, pelo rio, pelo mar, pelo vento, pelo ar puro de qualquer um dos parques da cidade. Fujo dos gases de escape e do rugido mecânico para naturais refúgios de paz e sossego.

Usufruindo da liberdade que a bicicleta me confere, o final de tarde convida-me a vadiar e a saborear o tempo. Apreciar a luz, degustar o aroma das castanhas assadas, apreciar o movimento das folhas que se soltam e voam até ao chão. Pelo simples prazer que sinto ao pedalar por estes jardins de Outono, qualquer desassossego ou incerteza desaparece com o vento. No regresso a casa, como gosto de “circunvalar” a cidade, tenho duas opções antes de enfrentar a Estrada da Circunvalação: ora sigo o rio que corre para a Foz e inspiro o ar marítimo; ora viro as costas à Nortada e sigo o rio para oriente, com o vento pelas costas.

Junto ao Castelo do Queijo despeço-me da praia e do mar e viro à direita. Sujeito os pneus à terra batida e ondulante do Parque da Cidade, o maior parque urbano do país, palmilhado por inúmeros caminhos, arvoredo, extensos relvados com lagos e a passarada residente. Um banco de jardim no encontro de uma obra de arte com o pôr do sol, embeleza o momento e torna-me o passeio ainda mais demorado. Dou as voltas que tiver de dar, escolho o caminho que me apetecer. Ali, o tempo parece dar um tempo. Dali até chegar a casa é um instantinho.
Percurso no Strava: https://www.strava.com/activities/7463192473

Na rotunda do Freixo encontro o início de um outro paraíso urbano. Entro no Parque Oriental, rodando em modo câmara lenta pelo tapete de asfalto que bordeja as margens do rio. Sigo o Tinto contra os ponteiros do relógio. Vou subindo sem me dar conta que estou a subir. Vou inspirando os aromas da ruralidade, vou sentindo subtis odores à passagem pelas duas “Étares” que tentam despoluir tão desprezado curso de água. Cruzo pequenos núcleos urbanos. Os “passadiços” vão desembocar bem no centro da cidade de Rio Tinto, onde poderá ser o início da diversão dependendo se estou a pedalar no sentido inverso. Junto à estação de metro da Levada pressinto o fim da tranquilidade. Afinal não me afastei assim tanto da cidade! São cerca de 5 km de um passeio bem agradável, mas dali em frente volto à civilização e estou de volta à confusão da Circunvalação.
Percurso no Strava: https://www.strava.com/activities/7615664901

Desde julho que tenho uma nova escolha para o meu commute trabalho-casa, mais a Norte, mais longínquo, mais demorado para lá chegar mas excelente para arejar o corpo e a mente. Depois de cerca de 10 quilómetros pedalados desde o centro do Porto pela Foz do Douro até Matosinhos, transponho a ponte móvel do Porto de Leixões para Leça. Sigo pela estrada do aeroporto para então descer à N13. É ao fundo, na Ponte de Moreira que encontro o início de uma nova aventura. Ao fim de 20 km de pedalada entro num pequeno paraíso que faz render bem o passeio. Entro no Corredor Verde do Rio Leça.
Percurso no Strava: https://www.strava.com/activities/7978214760

Inaugurada recentemente a primeira fase, numa extensão de 6 a 7 km entre as pontes de Moreira e da Pedra, os municípios de Matosinhos e da Maia rasgaram este “corredor” desvendando as margens escondidas do rio Leça. Entre as zonas residenciais, situadas nas extremidades deste percurso à disponibilização da população, desenvolveu-se um percurso pedonal e de ciclovia, acessível aos meios de transporte suave, que pretende ser uma opção quotidiana para a mobilidade, desporto, para a fruição do território e o contacto com a natureza, sempre ao longo de parte do rio que já foi o mais poluído da Europa. O Corredor Verde passa junto ao Mosteiro de Leça do Balio, segue o curso do rio por entre paisagens rurais e industriais, cruzando as margens em passadiços metálicos para terminar abruptamente junto à Ponte da Pedra no concelho da Maia. O acesso à N14 é feito por dois patamares de escadas, tendo o ciclista à disposição calhas metálicas que lhe facilitam bastante o acesso, da ou para a estrada. Não tão facilitada é depois a ascensão e o trânsito, tanto na direcção do Porto como no sentido da Maia, mas com calma e vontade tudo se faz, não é mesmo?

O projecto prevê a conclusão das restantes fases, num total de 11 kms. Na segunda fase prevê-se a ligação pedonal e ciclável da zona situada a nascente, no concelho de Matosinhos, numa extensão de 6 kms entre as pontes de Moreira e a ponte histórica do Carro. A terceira fase terá uma extensão de 4,7 km e irá completar a ligação entre a Ponte do Carro e o Porto de Leixões (foz do Rio Leça), com ligações ao centro de Matosinhos e de Leça da Palmeira, A conclusão desta infraestrutura vai permitir que a deslocação em modos suaves (a pé ou de bicicleta) seja efectuada de forma cómoda e segura, em terreno com pouca inclinação, um piso adequado a estes modos de transporte, através de uma via segregada e envolta numa paisagem idílica de pura natureza, inserida na Área Metropolitana do Porto e numa zona de grande densidade populacional. Do ponto de vista ambiental o impacto do projeto é fortíssimo, em consequência das medidas de limpeza e despoluição com a intervenção nas margens do Rio Leça, como forma de conter o processo erosivo que se tem vindo a acentuar nos últimos anos e que permitirá manter em perfeitas condições de uso a infraestrutura ciclável e pedonal do Corredor Verde do Leça.
