Neste texto irei descrever como a separação dos usos do solo gera demanda/procura de viagens que por consequência necessita de diversos tipos de oferta de transporte para ser suprida.
Os impactos dos usos do solo nos transportes são bem visíveis. Quando um território é zoneado, plane(j)adores separam-no por usos por exemplo, residencial, industrial, retalho/varejo, escritórios, espaços e equipamentos públicos, estacionamento. Desta forma, querendo ou não, eles determinam a localização das atividades humanas do dia-a-dia (moradia, trabalho, compras, lazer, educação, saúde) e suas origens e destinos. A distribuição dessas atividades humanas no território requer “interações espaciais” ou viagens. Esta procura/demanda por viagens leva à implantação de infraestruturas de transporte que aumentam a acessibilidade local que, a longo prazo, codeterminam as decisões de localização, resultando em mudanças nos usos do solo, como mostrado na figura do 1º texto sobre LUTI e a seguir.
Há uma variedade de fatores dos usos do solo que influenciam os transportes, porém dois fatores definitivamente têm maior influência: O uso misto (ou a segregação dos usos) e a densidade. Vou então detalhar estes dois fatores.
Densidade:
A densidade, que significa o número de famílias, empregos ou pessoas divididos pela área, é um fator crucial para se projetar sistemas de transporte¹,²,³.
Densidade pode afetar substancialmente os padrões de viagem, os níveis de acessibilidade, a diversidade na oferta de transporte e o uso do automóvel¹. Kenworthy e Laube (1996)4, quando compararam cidades Americanas, Australianas, Asiáticas, e da Europa Ocidental mostraram uma relação direta entre a densidade populacional e o uso de transporte público e uma relação inversa com o uso do automóvel. Em cidades muito densas tais como Hong Kong e Singapura a divisão modal para transporte público é substancialmente maior quando comparada a cidades como Melbourne e Houston5. Com maiores densidades o uso de transporte público aumenta, fazendo com que tal meio tenha maior viabilidade financeira³. No entanto somente densidade pode criar “cidades dormitório” nos subúrbios e centros de emprego mono-funcionais que acabam por produzir e atrair longas viagens e encorajar o uso do automóvel².

Figura 2 – Relação entre a densidade populacional e o consumo de combustível.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Petrol_use_urban_density.svg
Uso Misto:
Outra importante característica dos usos do solo que pode fortemente influenciar o uso do transporte público e reduzir o comprimento das viagens é o uso misto. Uso misto ou diversidade corresponde à localização de diferentes, mas compatíveis, usos próximos um dos outros. Um padrão de construção muito comum de uso misto é o que conjuga uso comercial no piso térreo tais como restaurantes ou retalho/varejo e uso residencial nos pisos superiores. Fazer viagens a pé e de bicicleta também aumentam em áreas urbanas de uso misto¹. Uma estação de metro/metrô corresponde a um uso do solo também pode fazer parte de um esquema de uso misto mais alargado, com lojas e serviços dentro da estação ou à volta dela.

Figura 3 – Estação do Oriente em Lisboa. Um arranjo bem conseguido de uso misto e densidade populacional.
Fonte: http://www.elevogroup.com/fotos/editor2/estacao_do_oriente_pt.jpg
O uso misto traz a sensação de permeabilidade para os pedestres. As edificações estão viradas para a calçada e passeios, recetivas aos pedestres e à cidade e não fechadas por muros, “de costas” para a cidade. Prédios de uso misto como os que citei acima são muito comuns em Portugal mas pouco comuns no Brasil, devido principalmente à insegurança urbana.
No Brasil há um novo tipo de uso misto: o privado, através dos condomínios fechados que conjugam moradia e espaços de lazer: piscina, ginásio/academia, cinema, salão de festas, churrasqueira, etc. Todas essas facilidades elevam substancialmente o valor do condomínio pois o condômino paga pela manutenção do salão de festas e da churrasqueira mesmo nunca usando. E esse tipo de desenvolvimento imobiliário (condomínio fechado de apartamentos ou casas) se torna casa vez mais comum no Brasil, em muito devido à falta de qualidade de lazer urbano disponível e, como citado, à insegurança urbana. Em Portugal a situação é o oposto com tais desenvolvimentos sendo uma raridade, logo levando a um valor muito menor de condomínio.
Outros fatores tais como condições para andar a pé e de bicicleta, design das ruas e conectividade e disponibilidade de estacionamento são características que podem influenciar o uso de transporte público ou individual e reduzir ou não o comprimento das viagens.

Figura 4 – Uma solução comum nos EUA, Canadá e Austrália: Zonas somente residenciais de baixa densidade. O chamado Urban Sprawl…
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rio_Rancho_Sprawl.jpeg

Figura 5 – que gera grande dependência automóvel, tornando o uso de transporte público pouco viável. Fonte: http://www.naturalbuildingblog.com/urban-sprawl/
Referências
1 Litman, T. (2012). Land Use Impacts on Transport.
2 Wegener, M., and Fürst, F. (1999). Land-Use Transport Interaction: State of the Art – TRANSLAND.
3 Wright, L., and Hook, W. (2007). ITDP | Bus Rapid Transit Planning Guide.
4 Kenworthy, J.R., and Laube, F.B. (1996). Automobile dependence in cities: An international comparison of urban transport and land use patterns with implications for sustainability. Environ. Impact Assess. Rev. 16, 279–308.
5 Petersen, R. (2004). Land Use Planning and Urban Transport.