Era assim aos domingos à tarde. Sempre que o sol convidava e o meu dono estava de folga, eu os levava a passear por estradas sinuosas, para lugares distantes, desconhecidos e cheios de histórias para lhes contar. Roncava e rodava, carregado a subir montanhas e a descê-las sem medo. E quando vinham os primos eram sete, bem apertadinhos. Acelerava até onde podia, até onde o motor ia porque aquecia, até que parava à sombra para me arrefecer e os deixar esticar as pernas. Ficava estacionado a observá-los com os meus redondos faróis, fazendo companhia nas brincadeiras dos irmãos e dos seus carrinhos de plástico. Os catraios pareciam alegres, entretidos nas suas brincadeiras de faz-de-conta. Em poucos minutos o chão de terra ganhava desenhos de estradas que levavam para todos os lugares que a imaginação lhes permitisse, só não voavam porque afinal um carro não voa, ou voa? Eles eram engenheiros de miniaturas, construtores de estradinhas com os seus carrinhos viajantes de mil e um lugares.
Um dos meninos é chamado para ajudar a tirar as cestas de dentro de mim. Contrariado por ter que parar os seus jogos, o Paulo lá cedeu reclamando baixinho…
– Porquê eu, sou sempre eu!
O raio dos pássaros embirravam comigo ou eu embirrava com eles. Um deles chegou mesmo a pousar na minha branca e reluzente capota, e acho que com segundas intensõe…
– Ouve lá, e se fosses pousar as patas no… Buzinadela com ele!
– Não vês que me lavaram esta manhã!?
Não é que seja vaidoso, e nada convencido, mas tenho a certeza que aquela carrinha top model que acabou de estacionar me deu um pisca-pisca. Quem sabe se não trocamos umas buzinadelas ou uns sinais de luzes! Mas, e se ela for como as raparigas que não gostam de brincar com carrinhos. Vendo bem ela nem é para a minha cilindrada!
Ouço um chamamento familiar e os rapazes correm para o desejado lanche. Na manta estendida no relvado estão as guloseimas e todas as coisas boas que a mamã lhes preparou com tanto carinho. Não, não vou ficar para aqui a babar-me porque sei que no regresso me vão encher o depósito. Acho que vou aproveitar o ponto morto e tirar uma boa soneca…
Oupa… já estou a trabalhar e mal tive tempo para escovar o pára- brisas. Já estão todos cá dentro! De primeira engatada, faço-me de novo à estrada. Os miúdos não se calam, todos falam e cantam, mas não perdem pela demora. Já, já, vão estar todos a dormir, embalados pelas curvas, na calma da minha pequena potência. E não tarda nada, eles estarão de volta a casa e eu de volta à minha garagem.