Esta manhã, no meu percurso rotineiro pr’o trabalho, parei junto a um dos famosos muros da cidade Invicta e encostei-lhe a minha bicla à moda antiga só para tirar esta fotografia.
Quem é do Porto e pedala pelas ruas da cidade, gostaria de conhecer melhor o que estes muros escondem. No interior do quarteirão entre as ruas D. Manuel II, do Rosário, de Miguel Bombarda e a de Adoldo Casais Monteiro, atrás dos muros e edifícios que o resguardam de qualquer olhar mais indiscreto e o torna quase desconhecido, existiu algo que nos liga aos primórdios do velocipedismo na Invicta.
No jardim das traseiras do Palácio dos Carrancas, que é, recorde-se, o actual Museu Nacional de Soares dos Reis e que foi propriedade da família real desde 1861, sendo o local de residência quando se deslocava ao Porto, e fruto da paixão do rei D. Carlos pela novel modalidade, foi no ano de 1893 doado um terreno ao Real Velo-Club do Porto para que se construísse um velódromo para a prática do velocipedismo. Teve o clube como presidente honorário o rei e ao velódromo, inaugurado em 1895, foi dado o nome de “Real Velódromo Maria Amélia”, em homenagem à excelsa senhora que foi rainha de Portugal.
O velocipedismo foi, em finais do século XIX¸ uma modalidade das elites. Pedalar uma machina, … uma bicycleta, permitia aos seus utilizadores não só um maior desembaraço na sua mobilidade como também uma certa ascensão social. Quando os automóveis e a sua industria era ainda incipiente, longe de alcançar os progressos actuais, à época tinha já o ciclismo atingido grande desenvolvimento. As corridas de bicicletas multiplicaram-se, tornando-se espectáculos desportivos do agrado das massas.
Pelo que se sabe, o recinto na Quinta do Paço Real não seria o primeiro espaço na cidade ou arredores que recebia provas de bicicletas. O primeiro velódromo havia sido instalado na Quinta de Salgueiros e pertencia ao Clube de Caçadores do Porto. Posteriormente, na Serra do Pilar, construiu-se o primeiro Velódromo D. Amélia, em homenagem à mulher do rei, designação que seria transferida para a nova pista do Porto, passando a pista de Gaia a ostentar o nome de Príncipe Real.
Com a implantação da República, em 1910, e a partida do rei para o exílio, o velódromo foi encerrado. O palácio e terrenos foram doados à Misericórdia para, em 1939, o Estado Novo nacionalizar o Palácio Real e aí instalar o Museu Soares dos Reis. Os museus terão mais valia quando permanecem vivos, conservem e apresentem a herança, de usos e costumes de determinada época. Reconstruindo um passado longínquo, pleno de vida, muitas vezes escondido e esquecido, obras de ampliação do museu destruíram uma significativa parte da pista oval. O espaço do velódromo é hoje denominado Jardim da Cerca. Encontram-se aí expostos alguns dos brasões das antigas casas senhoriais do Porto. No contexto da “Porto’2001, Capital Europeia de Cultura”, o espaço foi objecto de uma requalificação pelo arquitecto portuense Fernando Távora, que fez questão de preservar integralmente alguns dos elementos da centenária pista desportiva.

Corrida no Velódromo, em 1900, com a Torre dos Clérigos a espreitar ao fundo. (Foto de Humberto Fonseca)
O Real Velódromo Maria Amélia, com os seus 333,3 metros de comprimento e que em três voltas se percorria um quilómetro, foi o primeiro recinto desportivo do Porto. É uma recordação do maior palco desportivo do Porto, do findar do séc. XIX e da primeira década do séc. XX, de uma modalidade muito apreciada que os tripeiros sempre abraçaram e acarinharam. Vendo estas imagens de há cinco anos, permite imaginar as loucas corridas que ali se disputaram e os milhares de adeptos que a elas assistiram. Parte das suas instalações mantiveram-se intactas até aos nossos dias. Ambas as curvas da pista e respectivos relevos são perfeitamente visíveis ao nível do solo. O local onde permanece preservado é quase um segredo, e a grande maioria dos habitantes e pedalantes da cidade desconhece a sua existência num local tão nobre.
(fonte: ovelocipedista.wordpress.com; 1penoporto.wordpress.com)