Tenho acompanhado com interesse nos últimos dias um debate no grupo de comunicação da MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) sobre a temática “militantes que criam falsas ciclovias”. Os prós e os contras dos “logóciclos” pintados por cicloactivistas nas vias urbanas. Uma pintura escolhida como agente de mudança, indicando que a rua, a avenida, a estrada deve ser compartilhada por carros e bicicletas. Li diversas opiniões mas decidi não intervir directamente na troca de ideias, preferindo fazê-lo aqui.
O debate gira em torno da dicotomia do copo meio vazio e do meio cheio. De um lado os que acham que as pinturas são inúteis. Não são verdadeiras ciclovias segregadas, separadas dos carros, e que representam um efectivo perigo para os ciclistas. Do lado optimista, as marcações piratas no asfalto são mais do que um lembrete, são um começo, um prenúncio de que as coisas podem melhorar.
O stencil é uma ferramenta legitima de comunicação, forma de arte urbana que simboliza a batalha pela aceitação e mudança dos tempos. A imagem reproduzida é simplesmente uma bicicleta pintada numa via pública. A pintura é barata. É mais barata do que o reperfilamento das ruas. É mais barata do que instalar barreiras entre os carros e as bicicletas. A pintura em si não muda nada e as entidades municipais sabendo disso pouco ligam. Enquanto a tinta está fresca chama a atenção mas depois desaparece no seu objectivo, no esquecimento conveniente do rodado de pneumáticos e denegrida pelo óleo derramado dos motores.
Por exemplo, quando a figura está pintada no asfalto indica a forte possibilidade de passagem de uma bicicleta. Na perspectiva de alguns condutores a mensagem é ignorada, a menos que também sejam ávidos ciclistas. Quando um automobilista invade a ciclovia e abre a porta do carro, barrando a passagem de uma bicicleta, só fortalece o conflito. Aos olhos do mortal ciclista, aquele símbolo da bicicleta pintada no pavimento vaticina uma legitimidade de estar ali. Podemos estar cientes que as marcações não nos oferecem protecção. Não educa nem orienta o comportamento rodoviário. Não altera o layout das estradas que continuam como estavam, construídas sob o domínio do automóvel. No melhor dos cenários, ali os ciclistas urbanos sentem-se mais tranquilizados, têm uma presença marcada na via, um espaço reservado para as mudanças reais que virão. É a sua mensagem, uma acção reivindicativa para que se alterem as regras, para que se adopte um compromisso razoável de partilha da via urbana.
Recentemente a Câmara Municipal de Lisboa criou uma faixa para bicicletas partilhada na Avenida da Liberdade, mas os ciclistas não estão satisfeitos e dizem que a solução adoptada é perigosa. Existe uma falsa protecção dos ciclistas em movimento, num local que é reservado aos transportes públicos e veículos proiritários. Compreende-se o objectivo de partilha que as autoridades municipais tiveram em consideração, mas se não houver a devida educação dos motoristas em relação ao “intruso” de duas rodas, o caminho é ambíguo, arbitrário, cheio de armadilhas e perigos. Se um motorista corta à direita à frente de uma bicicleta e atinge um ciclista que tem o direito de passagem, não pode usar o argumento que não esperava ver uma bicicleta ali. A sinalização está lá, é legal e bem visível, no entanto continuam-se a fazer tangentes, com velocidade excessiva, desrespeitando o ciclista. Com o devido cuidado de reformular e adaptar o Código de Estrada, de formar melhores profissionais da condução e informar a populaça, muitas destas situações conflituosas poderiam ser evitáveis.
As figuras decorativas da bicicleta no piso, vulgo ciclovias, por si só não criam um lugar seguro para as bicicletas. Não fornecem nenhum tipo de protecção física aos ciclistas. A melhor protecção dos ciclistas nas estradas será o reforço da legislação, protecção jurídica, acalmia do tráfego. No entanto, apesar de eu ser um amorfo cicloactivista, ainda que de uma forma abstracta acredito estar entre os do copo meio cheio. Entre os ciclistas que se alegram em saber que essas marcações virtuais fortalecem os direitos dos ciclistas. Podem não oferecer o tipo de segurança que gostaríamos de ver, mas certamente a tinta não ficará esbatida quando houver um mar de gente a pedalar por essas “ciclovias” da esperança, que estabelecerão as bases da responsabilidade e da urbanidade, o efectivo direito de pedalar.
Excelente reflexão sobre esta temática! Repara que o dito logótipo preconiza uma reivindicação antiga dos cicloativistas: a via BUS+Bici. Recordo que em sede de Orçamento Participativo da CML, a proposta da via BUS+Bici da MUBi GANHOU, o que obriga a CML segundo os seus próprios estatutos a implantá-la, coisa que nunca fez desde há cerca de 5 anos!!!
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